Com mais ou menos intensidade, a grande imprensa brasileira apoiou o golpe de 64. Depois de um período de entusiasmo com o novo governo, os jornais –uns cedo, outros tarde– passaram a criticar a ditadura e, após duas décadas, nos estertores do regime, tiveram papel relevante na redemocratização.
A unanimidade contra o presidente João Goulart foi construída ao longo de seu governo, à medida que cresciam o radicalismo e a aproximação com setores da esquerda. Em setembro de 1961, no conturbado episódio de sua posse, que marcou o início da articulação golpista, a imprensa estava dividida.
Vários jornais se declararam contra o veto militar ao vice de Jânio, que renunciara. Os Diários Associados, com jornais espalhados pelo país, posicionaram-se a favor da posse. No Rio, os dois principais veículos, “Correio da Manhã” e “Jornal do Brasil”, também defenderam a legalidade. Foi essa também a linha editorial da Folha.
Dois jornais advogaram que Jango não assumisse: “O Globo”, no Rio, e “O Estado de S. Paulo”, este com o agravante de não aceitar nem ao menos a solução parlamentarista, costurada para contornar o impasse.
Mesmo os veículos que haviam defendido a posse de Jango, no entanto, passaram a criticar seu governo.
No final de 1963/início de 1964, os jornais haviam convergido para uma oposição que endossava a tese da deposição do presidente. A justificativa era que ele próprio estaria caminhando para um golpe de esquerda ou armando uma manobra continuísta.
Estabelecido o viés geral, a variável ficou por conta do grau de envolvimento de cada veículo. Alguns tiveram papel periférico, como a Folha, com limitado peso editorial na época, e o “Jornal do Brasil”, o último dos grandes jornais a romper com Jango.
Outros, como o “Estado” e a cadeia Diários Associados, foram protagonistas do golpe, devido ao envolvimento de seus dirigentes com os conspiradores.
Só um jornal esteve ao lado de Jango: a “Última Hora”. Criado pelo repórter Samuel Wainer no início dos anos 50, a pedido de Vargas e com apoio financeiro do governo, o jornal, dirigido a operários e à classe média baixa, defendeu até o fim a herança política de seu padrinho.
A partir de abril de 1964, a mídia e os militares tiveram um período de lua de mel, que não foi interrompido mesmo quando ficou claro que a ditadura não seria tão breve quanto fora previsto.
Denúncias de tortura
O primeiro a enfrentar o regime foi o “Correio da Manhã”. Ainda em 1964, o jornal, que publicara dois violentos editoriais defendendo a saída de Jango enquanto o golpe estava em andamento, denunciou torturas numa série de reportagens. Foi o começo do fim do jornal, que fechou em 1974.
O restante da imprensa, apesar de ressalvas pontuais contra abusos de poder e cassações, continuou apoiando a ditadura, sobretudo em sua diretriz econômica liberal.
A reação à censura, entre fins dos anos 60 e meados dos anos 70, se revelou um divisor de águas. Alguns jornais, como a Folha, acatavam as orientações dos censores, comunicadas por telex ou telefone, praticando a autocensura. Outros, como o “Estado”, desafiavam as ordens, o que exigia a presença de censores na Redação, para impedir que o material vetado fosse publicado. O jornal denunciava a censura editando trechos de poesias no espaço aberto pela ação da censura.
Um dos episódios mais polêmicos da relação entre mídia e ditadura foi a guinada editorial da “Folha da Tarde”, da mesma empresa que edita a Folha. A partir de 1969, durante a fase mais dura do regime, a “Folha da Tarde” –até então comandada por jornalistas ligados à esquerda armada– foi entregue a profissionais associados à polícia e chegou a cooperar com as forças da repressão, endossando versões dos órgãos de segurança para esconder torturas e assassinatos de presos políticos.
A empresa Folha da Manhã foi também acusada de emprestar veículos para órgãos da repressão. Se ocorreu, não é possível dizer que a prática foi autorizada pela direção da empresa.
Em meados dos 70, a Folha acreditou no projeto de abertura e fez uma reforma editorial que deu voz à sociedade civil, franqueando suas páginas a intelectuais de oposição.
Em fins de 1983, foi o primeiro jornal a encampar a embrionária campanha pelas Diretas Já, que, embora não tenha passado no Congresso Nacional, contribuiu para o fim da ditadura.
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Oscar Pilagallo, jornalista, é autor de História da Imprensa Paulista (Três Estrelas).