O Brasil passa em revista o golpe de 1964 em busca de luz sobre sua crise política permanente. Meio século depois, há um desejo de saber mais. Não na mesma proporção, também a vontade de defrontar a verdade. Muitos preferem repetir lendas e mitos.
Uma surpreendente enxurrada de livros, documentários, debates e outros itens de uma pauta extensa se multiplicam por todo país em torno do cinquentenário do golpe militar de 1964. Há uma fome de informações e conhecimentos proporcional a uma carência chocante desses elementos sobre um fato ainda tão recente da história nacional. O encontro da fome com a vontade de comer pode proporcionar um estado de consciência raro num país marcadamente desmemoriado como o Brasil.
Para que esse avanço se consolide, os protagonistas das obras e encontros sobre o que se passou entre 31 de março e 1º de abril, o epicentro do putsch, e do que houve antes e depois, precisam enfrentar os fantasmas que surgiram nesse período e seus mitos. As lendas ora emergem, ora submergem, processo que se realimenta na programação em curso e ameaça a interpretação, o entendimento e a lição de acontecimentos tão traumáticos.
O denominador comum desse meio século e de todo período anterior, que remonta à transição de uma monarquia esquisita a uma república desconhecida, é a violação dos princípios que constituem o regime democrático. A planta tenra, que demora a crescer no jardim tropical, exibida como o troféu buscado pelos grupos em conflito, foi, paradoxalmente, a mais maltratada por ambos. Alguns deles simplesmente destruíram a plantinha que o socialista (fabiano) João Mangabeira gostaria que germinasse com mais consistência.
Para quem vive no mais longo período de democracia da história republicana brasileira, com apenas 29 dos seus 125 anos (menos de um quarto do total), talvez a preocupação mais útil na revisão das crises que levaram à deposição do presidente João Goulart seja identificar os elementos antidemocráticos dessa trama e tentar combatê-los para que os componentes democráticos se livrem das engrenagens e dos parasitas que os têm sufocado.
Músicas fúnebres
É claro que o item número um é formado pelos militares. Foram eles que se comprometeram a acabar com a monarquia depois de voltarem da guerra do Paraguai. O Brasil tinha um imperador de estampa, boa pessoa, excelente intelectual, produto de exportação para os mais refinados mercados de então. Mas inerte diante da nação que se formava anarquicamente.
Certamente esse homem digno, exemplar como indivíduo, não merecia ser obrigado a deixar sua pátria em 24 horas e ficar abandonado para morrer anonimamente num discreto hotel de Paris, de tal classe como jamais a nossa presidente da república atual sequer cogitaria para servir-lhe de abrigo em uma viagem à capital francesa. Humilhação também imposta a um paulista de valor, Washington Luís, vítima do sistema viciado que o colocou no poder e da visão caolha da elite ilustrada e cosmopolita a que pertencia, ainda incapaz de divisar o Brasil real por trás da sua retórica mimética.
Os militares, que acabaram com o império e instauraram a república na madrugada de 15 de novembro de 1889, em conchavos aquartelados, eram tão idealistas quanto autoritários. A república devia significar reforma e arrumação, mudança e continuidade; em suma, questionando seus pressupostos e praticamente os inviabilizando: ordem e progresso.
As escaramuças e os golpes que se seguiram até que os tenentes revolucionários conseguissem, finalmente, assumir o poder, atualizaram o Brasil à sua realidade. Isso não aconteceria se a República Velha, com seus políticos “carcomidos”, continuasse a dominar o poder e reforçar a estrutura oligárquica de comando do país. Mas o preço dessa reforma, ao final desse período de 15 anos de caminhada antidemocrática, foi o enfraquecimento das instituições civis, a supressão da liberdade e a formação de uma nova estrutura de dominação a partir do alto do poder afunilado.
No cume dessa pirâmide estava o exército, a desequilibrar com sua preponderância a paridade com as demais forças armadas. O mesmo exército, que fez de Getúlio Vargas o chefe da ditadura, o depôs. E continuou a dar as cartas na redemocratização, com a eleição do general Dutra, avalista do Estado Novo, vitorioso com o apoio do ex-ditador, eleito senador por seis Estados (possibilidade que a legislação eleitoral da época admitia).
Para fechar o círculo vicioso (ou a quadratura do círculo), os adversários do regime também tinham uma visão predominantemente militarista, posta em prática na desastrosa “intentona” de 1935 pelos comunistas e no assalto à residência do presidente da república, no Rio, pelos integralistas, em 1938. No confronto dos extremos de revolução e reformismo, os democratas foram expurgados. A crença no valor da tolerância, da liberdade, da pluralidade e das instituições era desprezada.
A volta de Getúlio Vargas foi um dos mais notáveis fenômenos de toda essa fase. Apesar de sua votação consagradora, que contrastava com sua imagem de tirano cruel criada pelos seus inimigos (e por alguns falsos aliados), ele se desinteressou pela sua cadeira no Senado. Preferiu se isolar na imensa planície gaúcha, com tempo e espaço para a mais longa meditação que um grande político brasileiro já fez em autoexílio. Essa solidão foi quebrada por um fazendeiro vizinho, exímio criador e comerciante de gado, aberto a ideias novas, trabalhador e arguto: o jovem João Belchior Marques Goulart.
A dedicação de Jango cativou Getúlio. Sua fidelidade canina lhe proporcionou a condição de filho adotivo do “velho”. Suas conversas durante as rodadas de chimarrão, com a participação igualitária dos vaqueiros, cristalizaram um projeto de retorno ao poder, em novas condições, com a utilização da vasta experiência de Vargas, da sua prolongada reflexão e da companhia dos novos amigos e dos velhos camaradas das pradarias da região missioneira.
Aí estavam fincadas as raízes da crise brasileira. Os políticos autoritários não admitiam a volta de Getúlio. Nem os militares conspiradores. Muito menos a elite conservadora. Vargas podia tê-los contornado, feito concessões, ludibriado, como era sua arte. Mas desta vez ele tinha um projeto na cabeça e queria executá-lo numa democracia, expondo-se aos muitos riscos e armadilhas que o esperavam.
Na campanha eleitoral, ele parou em Santarém em 1950, 10 anos depois da primeira passagem, quando fez o célebre “discurso do Amazonas”, em Manaus, apontando a direção oeste da fronteira nacional. Foi saudado pelo secretário geral da prefeitura, Elias Pinto, 25 anos, filho de arigós (imigrantes cearenses). Getúlio gostou do que ouviu, principalmente da revindicação feita por uma fábrica que industrializasse a juta, fibra trazida para a região pelos japoneses, duas décadas antes. Santarém não queria ficar na produção de matéria prima.
Getúlio pegou um cartão e o manuscreveu. Se voltasse ao Catete, o orador devia procurá-lo. A vitória foi tranquila, na mais limpa das sempre borradas (ou mesmo fraudadas) eleições no Brasil. Nos primeiros dias da presidência, papai mandou o cartão e Getúlio lhe concedeu audiência. Foi garantido o financiamento do Banco do Brasil para a Fábrica de Fiação e Tecelagem de Juta de Santarém (Tecejuta), a primeira indústria de maior porte do interior amazônico. Num segundo encontro, saiu a autorização para a importação das máquinas da Inglaterra.
Meu pai se tornou discípulo do “doutor Getúlio”, como o tratava, organizou o Partido Trabalhista Brasileiro e ingressou de vez na carreira política. O suicídio de Getúlio, em 24 de agosto de 1954, acontecimento único na conturbada história brasileira, ecoou dramaticamente em Santarém. Dezenas de pessoas se aglomeraram dentro de casa e lá fora. Todos choravam. Tocavam músicas fúnebres. Papai pegou mamãe e foram para o sepultamento do líder, em São Borja. Era uma viagem e tanto. Na volta, pegou um pequeno disco com a narração da carta-testamento e o levou como bem valioso para Santarém.
Ao sul do império
Num desses episódios que jamais se consegue explicar muito bem, ouvi o compacto, gostei e decorei o que ouvi, imitando a forma de falar de um gaúcho da fronteira. Papai ficou irradiante e me fez repetir o discurso cidade afora, em todos os lugares de reunião. Eu estava a menos de um mês do meu quinto ano de idade quando a política entrou no meu sangue, como entrara no do meu pai.
A partir daí o acompanhei em algumas das suas excursões pelo interior e por outros Estados, e fui atento observador das conversas em roda que ele puxava nas casas em que moramos, em Belém a partir de 1955, sempre ponto de convergência ou mesmo albergue de parentes, amigos, cabos eleitorais ou simples eleitores. Invariavelmente depósito de implementos agrícolas e outros produtos distribuídos em locais estratégicos para o político, como as colônias nordestinas na periferia de Santarém.
Na eleição de 1960 estreei como cabo eleitoral. Minha missão era distribuir as pequenas espadas douradas de alumínio do marechal Lott, candidato da coligação PTB/PSD à presidência da república contra Jânio Quadros. As espadas vinham em caixinhas de papelão brancas com frisos dourados. Era o símbolo que esgrimíamos contra a vassoura moralista do ex-governador de São Paulo, dono de uma das mais fulminantes carreiras políticas.
Jânio conquistou a maior vitória proporcional de todas as eleições brasileiras. Tinha o aval de uma maioria do povo nunca mais alcançada por outro presidente. Jânio, além de alcoólatra e desequilibrado mental, era um megalomaníaco e se considerava o mais astuto de todos os seres humanos. Para se livrar da União Democrática Nacional (que lhe emprestara a sigla a contragosto, sem alternativa melhor para aspirar realmente ao poder pelo voto), do parlamento e de todos os empecilhos, ele tentou um golpe branco através de um teatral pedido de renúncia.
Pensou em muitas coisas: o suspeito vice-presidente, João Goulart, estava em missão na ainda mais suspeita China comunista; era o dia do soldado; logo seria o fim de semana. Certamente o povo, que o consagrara nas urnas, viria em seu auxílio para lhe pedir que ficasse, mas ele só ficaria numa condição plenipotenciária de fazer inveja ao general Charles de Gaulle, depois do seu exílio em Colombey-les-deux-Églises.
Mas Jânio cometeu erros crassos, como o de achar que podia renunciar e depois “desrenunciar”, à maneira inventada por Lewis Carrol, para voltar ao poder nos braços do povo. Espertamente, porém, os políticos profissionais deram por sacramentado seu afastamento e colocaram em seu lugar o inefável presidente da Câmara dos Deputados, o maleável Ranieri Mazzili, sempre ao alcance de qualquer manobra.
A que logo se aprontou foi um golpe de Estado, situação para a qual vinham se preparando os principais líderes da UDN, as vivandeiras dos quartéis, e os oficiais extremistas. O Brasil esteve à beira de uma guerra civil, como nunca antes. O povo também elegera Goulart vice-presidente com generosa votação e o tinha em boa conta como herdeiro de Getúlio e do trabalhismo, autor de iniciativa – também única nos anais verde-amarelos – ao reajustar em 100% o salário mínimo de 1954, colocando-o num patamar real de classe média (não nessa fantasia petista dos nossos dias).
Enquanto Jango peregrinava por capitais internacionais no zigue-zague hesitante de volta, seu cunhado, o governador do Rio Grande do Sul, o engenheiro Leonel Brizola, liderava a resistência ao golpe político-militar. Empolgou os civis gaúchos, comandou a brigada estadual e conquistou a adesão do III Exército, o maior e mais bem adestrado (para eventual guerra com a Argentina) de todos. Quando Jango chegou a Porto Alegre já havia condições para que se procedesse à sucessão normal, mas em outro contexto constitucional: não mais sob o presidencialismo republicano, mas sob um híbrido parlamentarismo natimorto.
Os componentes dessa crise iriam ser decisivos no seu desfecho. Jango se desfez das ataduras parlamentaristas e o processo, com marchas e contramarchas (literalmente), avançou no rumo das mudanças de que a sociedade brasileira precisava para também se libertar das limitações estruturais ao crescimento econômico, à maior igualdade social, à plenitude dos direitos e garantias individuais, e ao fortalecimento das instituições civis, profissionalizando o aparelho de Estado, a começar pelas organizações militares, sempre com um pé no quartel e outro (este, mais atuante) na política.
Continuava a ressoar pelas casernas uma declaração de guerra de Carlos Lacerda contra Juscelino Kubitscheck, que herdaria o acervo de Getúlio na primeira eleição geral depois do suicídio. JK não devia ser candidato; se candidato, não devia ser eleito; se eleito, não devia tomar posse; se empossado, não devia governar. Negando completamente a ordem legal e insuflando o golpismo, Lacerda imaginava ser o portador dessa bandeira absolutista, o líder dessa legião antidemocrática. Conseguiria destruí-la. Mas também seria destruído. Aberta as comportas do totalitarismo, os atores armados liquidariam os não armados sucessivamente, num processo autofágico que perdurou pelos 21 anos do regime de exceção.
Behemoth e Leviatã foram liberados, até que o caos estatal, que viria a se consolidar nos núcleos de repressão e tortura, refratários a qualquer controle (quando eventual controle foi tentado), se estabelecesse no mais terrível dos dias republicanos, o 13 de dezembro de 1968, data do nascimento do monstro, o Ato Institucional número 5, que pôs fim antecipado àquele ano, inaugurado com tantas esperanças. Tão brutal que um dos signatários do papelucho, o então ministro do trabalho, Jarbas Passarinho, julgou necessário ignorar os escrúpulos da consciência para aplicá-lo.
Dois anos antes de ser deposto, Jango foi aos Estados Unidos e conversou com o também jovem presidente John Kennedy na Casa Branca. Kennedy encarava naquele momento o Brasil e a América Latina com os olhos de um guerreiro da guerra fria. Mas os desastres da crise dos mísseis e da invasão frustrada de Cuba o fizeram mudar a ótica. Ele continuava a não gostar do que acontecia no maior país ao sul do império americano, mas preferiu lançar mão de um contramodelo, materializado na Aliança para o Progresso e num Corpo de Paz realmente voluntário. Corrigia esses rumos quando foi assassinado, quatro meses antes do golpe militar que depôs o presidente brasileiro.
Olhar para trás
Não há dúvida que a presença americana no Brasil se tornou mais ostensiva e direta. Mas é um exagero estabelecer uma relação de causa e efeito entre a ação americana, dirigida a partir da desproporcional sede da embaixada no Rio de Janeiro, sob o comando de Lincoln Gordon, e a ação dos militares.
No fim de noite da saída das tropas do exército de Juiz de Fora para o Rio, 30 de março, Johnson disse ao seu assessor George Reedy: “Com certeza, se explodir nesta noite, você saberá amanhã de manhã”. O assessor confirmou: “É verdade. E não vamos precisar de uma reação. Mas, se não explodir nesta noite, acho que devemos ficar no já previsto”.
O diálogo, revelado tempos depois, deixa várias coisas claras. Os americanos tinham um espião junto ao general (ex-integralista) Olympio Mourão Filho e provavelmente perto de outro general, Carlos Luís Guedes, que se antecipariam ao que fora combinado por outro espião: um golpe mais adiante. Era o que o general Vernon Walters acertava nos sucessivos encontros que teve com o marechal Castello Branco. Os dois haviam atuado juntos na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial.
Castello, até então considerado um oficial legalista, aceitara assumir a liderança da conspiração. Embora chefe do Estado-Maior, escrevera uma circular para todos os comandos militares que funcionou como mensagem cifrada para a organização da deposição do comandante-em-chefe das forças armadas, o presidente da república.
A Central de Inteligência Americana falava com Castello e outros oficiais superiores através de Walters, fluente em português. Mas não passava aos seus interlocutores o que sabia através de outros agentes e outras fontes. Assim, tudo indica que os comandantes da conspiração desconheciam que o general Mourão não esperaria pela voz superior de comando para colocar a tropa na rua. Precisava aproveitar a lua favorável para ter alguma possibilidade de vitória, que, àquele momento, parecia remota para uma tropa tão acanhada. A CIA sabia disso, mas não era personagem nessa parte da trama, apenas observadora. Daí o diálogo Johnson-Reedy.
A precipitação de Mourão foi lamentada e amaldiçoada pelos conspiradores mais próximos do poder central. O general meio maluco podia colocar tudo a perder na mecânica do golpe militar-udenista. Jango tinha força suficiente para reprimi-lo e estancar o movimento na raiz, mandando prender seus principais líderes.
Como personagem de uma tragédia shakespeariana, porém, o presidente urdira o seu fim. Até o comício de 13 de março ao lado da Central do Brasil, na (sugestivamente denominada) avenida Presidente Vargas, Jango perderia o apoio da parcela majoritária da classe média. Era reforma demais para um único dia, agressividade verbal desnecessária e vazia, demonstração de força inconvincente (de 200 mil espectadores, uns 150 mil foram levados por caminhões pagos pelo governo e aliados, número contrastante com a marcha dos 500 mil que agradeceriam a Deus, em nome da pátria e da família, pela eventual deposição do comunista e ateu, o que Jango nunca foi).
O editorial do dia seguinte do Correio da Manhã, o grande jornal que mais esquerdistas possuía na sua redação, foi de uma expressão que Jango devia ter considerado. O jornal vinha apoiando as reformas propostas pelo governo, mas discordou da sua forma, número e conteúdo. Pode-se até argumentar que essas razões eram mera desculpa para atacar Jango, mas era música para os ouvidos da classe média.
A partir daí, enquanto Jango radicalizava, a parte mais organizada da sociedade se afastava dele – ou para simplesmente se opor a ele ou para depô-lo. Os últimos dias do presidente foram vividos como num transe, numa tensão tal que parece ter bloqueado sua visão e seu raciocínio. Foi em frente a galope e queimando as pontes que deixava para trás. O discurso desarvorado que fez na sede do Automóvel Clube, convalidando a quebra da hierarquia militar por sargentos e suboficiais amotinados, sob a liderança de um agente infiltrado da espionagem americana ( ou da própria marinha), o cabo (na verdade, soldado) Anselmo, foi a contrassenha para o seu fim.
No dia 31 de março o presidente era uma versão mal composta de um Hamlet, zanzando entre o Rio, Brasília, Porto Alegre e Montevidéu. O que ele queria, o que procurava? Incorporar a figura do pai, no caso, Getúlio? Jango não estava à altura do seu mestre, que não ouviu alguns conselhos (como o do ministro Tancredo Neves, de resistir ao golpe que batia à sua porta), porque tinha algo mais grandioso a fazer: com sua morte, inverteu o processo histórico, passando de algoz a vítima, de bandido a mocinho, saindo da vida para entrar na história, sem que mais ninguém pudesse macular a sua posição.
Jango não tinha ao seu alcance esse lance mortal. Mas podia arriscar sufocar a mambembe rebelião do general Mourão antes que se configurasse um cenário de guerra civil mais factível do que o de 1961. Não para se manter no poder ou também tentar um golpe constitucional, como o de Jânio, a partir da decretação do estado de sítio, que desajeitadamente solicitara ao Congresso para manietar Carlos Lacerda. Mas para defender a frágil democracia com 18 anos de idade, que o tornara possível.
Antes de ser deposto por manobra do Congresso quando ainda estava em território nacional, com o poder que o povo lhe conferira na eleição de 1960, Jango renunciou a ser a voz de comando, o chefe supremo da república, o mandatário do poder, poder no qual acreditava a esquerda, sob o manto do modo leninista de fazer a revolução.
Todos se achavam uma vanguarda pronta para tirar as rédeas de Jango, como Luís Carlos Prestes anunciou, mais uma vez em dissonância com a realidade. Só esqueceram de olhar para trás e computar as massas com que deveriam contar. No derradeiro momento, fizeram esse movimento. E o que viram foi o vácuo, o vazio em que ficaram os órfãos da democracia no Brasil – até hoje.
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Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)