Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Jornal deu nova versão para mortes no Chile

No dia 25 de julho de 1975, o jornal paranaense O Dia reapareceu nas bancas de Curitiba após 52 anos. Na capa, a manchete “Terroristas Chilenos no Interior da Argentina” tratava da reunião de grupos de esquerda da região de Salta, na Argentina, e dava os nomes de 59 integrantes do Movimiento de Izquierda Revolucionária (MIR), chileno, que teriam se matado em uma briga interna. Estava no ar a Operação Colombo, uma das primeiras ações conjuntas dos serviços de inteligência de Brasil, Chile e Argentina.

A notícia, falsa, foi armada por agentes da Diretoria de Inteligência Nacional (Dina) do governo Augusto Pinochet para justificar o desaparecimento e morte de 119 militantes de esquerda chilenos assassinados em campos de prisioneiros no país. Documentos encontrados pelo Estadonos arquivos da chancelaria chilena mostram que a embaixada do país em Brasília logo notificou seu governo sobre a reportagem do Dia. Também dava conta da mesma informação publicada por uma revista argentina desconhecida, Lea, editada apenas uma vez em Buenos Aires.

Investigações feitas pela Justiça chilena mostram que as reportagens nos veículos brasileiro e argentino foram a base de lançamento para notícias publicadas pelos principais jornais chilenos, usadas para dar veracidade à versão fantasiosa para a morte dos jovens mortos pela repressão.

Um mês depois, os jornais El Mercurio, La Tercera e La Segunda editaram diferentes versões da mesma notícia, atribuindo ao próprio MIR o justiçamento dos militantes. A intenção era justificar a morte de 119 militantes de esquerda que, confirmou-se depois, morreram fuzilados ou vítimas de tortura no Chile. Pouco se sabe ainda da operação no Brasil. O jornal O Dia, lançado pela primeira vez em 1870 por Almir H. de Lara, ressurgiu em diferentes períodos – 1896, 1901 e 1923. Em 1975, teve apenas três edições, todas com material de apoio à ditadura de Augusto Pinochet.

Operação Condor

As investigações chilenas chegaram a dois nomes: Gerardo Roa Aranez, funcionário da aérea Lan Chile, então estatal, e Jaime Valdez, encarregado de imprensa da embaixada chilena – ambos, na realidade, agentes da Dina no Brasil. Aranez teria trazido recursos do governo chileno para pagar a publicação; Valdez teria feito os contatos no Brasil.

Não se sabe bem o papel do governo brasileiro, mas é dado como certo que a Colombo foi uma das primeiras ações efetivas da Operação Condor, cooperação entre ditaduras do Cone Sul. Dificilmente, a ação seria feita sem, pelo menos, o conhecimento do Serviço Nacional de Informações (SNI), o organismo de inteligência da ditadura brasileira, com que os chilenos trocavam informações desde o início do governo militar naquele país, em setembro de 1973.

Na Argentina a revista fictícia Lea, publicada apenas uma vez, foi editada por uma empresa que pertencia ao Ministério do Bem-Estar Social. Apesar de o governo ainda ser o de Isabelita Perón, o então ministro José López Rega pertencia à Triple A, Aliança Anticomunista Argentina, grupo de extrema-direita.

Não há menções à Colombo em conversas com o governo brasileiro. Mas a Diretoria de Informação e Segurança do Itamaraty fazia contatos constantes com a embaixada chilena, repassando informações sobre grupos de esquerda, cobrando dados do governo Pinochet e oferecendo ajuda para a captura de “elementos subversivos”.

Relatório de janeiro de 1974, enviado pela embaixada chilena no Brasil, pode ter sido o embrião da Operação Colombo. O informe relata a reunião de grupos de esquerda em Salta. Seriam entre 25 e 30 brasileiros e entre 40 e 50 chilenos. As informações eram de que o grupo poderia estar formando uma nova guerrilha, a Frente Revolucionária Popular, que queria tomar o poder no Chile. Os jovens viajariam entre o Chile e a Argentina de trem – ao que o informe recomenda que se acompanhe esse trajeto. Foi na província de Salta e na vizinha Tucumán que a Dina armou a operação para justificar o sumiço de 119 pessoas eliminadas pela ditadura.

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Lisandra Paraguassu, do Estado de S.Paulo