Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A fase de ouro dos correspondentes

Talvez, nem Otavio Frias Filho saiba disso. Há quase 30 anos, por iniciativa do ex-coordenador de Sucursais e Correspondentes, Fernando Fernandes Barros, e do ex-diretor da Agência Folhas (na época era com s), Luiz Carlos da Rocha Pinto, a Folha de S.Paulo projetou o primeiro estímulo interno para suas boas reportagens. Denominou-se Prêmio Hipólito da Costa, de curta duração. Hoje, no momento em que o jornal decide reconhecer os feitos da sua equipe, é importante registrar aquela trajetória entre 1975 e 1980, um dos mais férteis períodos produtivos de sua história durante o regime militar.

O repórter que assina este relato trabalhava em Campo Grande, no velho Mato Grosso ainda não dividido. Numa excursão pela fronteira brasileira com o Paraguai, constatei que algumas localidades sul-mato-grossenses – Porto Murtinho, Nioaque, Ilha Margarida – viviam praticamente paradas no tempo. A série de reportagens ‘A fronteira esquecida quer renascer’ resgatou os valores de sua gente. Localizamos antigos empregados de uma indústria de tanino, pioneiros na produção de erva-mate, e alegres paraguaios da ilha. Semanas depois, o então governador do estado, José Garcia Neto (Arena), enviou secretários à região. Os recursos não tardaram a chegar.

Recebi o prêmio de mil cruzeiros pela série de matérias e me senti altamente estimulado. Até hoje guardo as mensagens de telex com a instituição do prêmio e o comunicado do pagamento, pelo Bradesco. Em 77 publiquei outra série, sobre a colonização paranaense e o surgimento de cidades no norte e noroeste de Mato Grosso.

Raça em extinção

A FSP pagava apenas um pró-labore mensal aos colaboradores e a Coordenadoria de Sucursais e Correspondentes prestigiava os mais esforçados, acatando religiosamente as suas despesas de transporte e alimentação. Naquele tempo, o espaço jornalístico era generoso e a tesouraria da empresa fechava os olhos à maioria dos cachorros apresentados pelos correspondentes. Explico aos jovens que esse termo se aplicava a notas fiscais e recibos com valores aumentados. Fica bem claro que, embora não tivessem carteiras assinadas, graças a esse expediente, diversos notáveis profissionais daquele período recebiam mensalmente quase o salário dos que trabalhavam na Redação, em São Paulo. Melhor do que tudo isso: havia emprego para repórteres dispostos a chafurdar na lama, conhecer aldeias indígenas, penetrar em matas, minas de ferro, estanho e jazidas de ouro ou granito, em territórios paraguaio e boliviano.

Para concorrer com O Estado de S. Paulo, a Folha mantinha uma rede de correspondentes e uma Editoria Regional sob o comando de José Aparecido, Francisco Almeida e Nelson Maenaka. Eles recebiam os textos da AF, editavam e privilegiavam os melhores no alto das páginas, identificados ainda por um pequeno mapa das cidades mencionadas – um luxo. Em alguns dias da semana o jornal circulava com duas, três e até quatro páginas regionais. O leitor dispunha de farto noticiário do Vale do Paraíba, da Alta Sorocabana, do ABC, do Pontal do Paranapanema, da Alta Araraquarense, do Sul de Minas Gerais, do Rio de Janeiro, de Santa Catarina, Norte e Sul Paranaense, Centro-Oeste e outras regiões. No Recife, o correspondente José do Patrocínio apurava matérias pernambucanas e ainda cozinhava jornais do interior do Nordeste. As matérias policiais faziam enorme sucesso no extinto Notícias Populares. Alberto Dines, então diretor da sucursal da Folha no Rio de Janeiro, deve se lembrar disso.

Quando o Diário de S.Paulo (o antigo, de Assis Chateaubriand, registre-se) fechou as portas, com mais de 40 mil assinantes, a FSP começou a modernizar-se e ocupou definitivamente o seu espaço, da Alameda Barão de Limeira nº 425 às barrancas do Rio Paraná, em Presidente Epitácio. Algumas conquistas socioeconômicas de municípios paulistas e brasileiros se devem àquela fase para a qual contribuiu essa raça em extinção: o correspondente.

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Jornalista