Acusada de protagonizar o movimento contrário ao monopólio estatal durante o processo de criação da Petrobras, nos anos 1950, a multinacional petrolífera Esso também era alvo de denúncias por tentar controlar o noticiário através do forte investimento publicitário em jornais. Diante deste cenário, a empresa, líder do mercado e foco mais visível da presença do capital estrangeiro no país, buscou alternativas para se aproximar dos formadores de opinião. O objetivo era não restringir suas ações de marketing aos departamentos comerciais dos grupos de comunicação. Daí surgiu a ideia da criação, em 1955, de um prêmio voltado para o reconhecimento do trabalho dos profissionais das redações. No contexto dos embates em torno da questão do petróleo, a estratégia de relações públicas logo se transformaria no mais importante programa institucional da companhia, que já mantinha no ar o Repórter Esso – um bem-sucedido programa radiofônico, depois transmitido pela TV.
O Prêmio Esso de Jornalismo, considerado o mais tradicional programa de reconhecimento do trabalho dos profissionais de imprensa no Brasil, está completando 60 anos em 2015. A empresa estima que, em 59 anos do programa, mais de 32 mil trabalhos foram submetidos à avaliação de comissões julgadoras. O concurso, que passou este ano a se denominar Prêmio ExxonMobil de Jornalismo, oferece um campo de exploração amplo para a reflexão acerca da identidade profissional do jornalista e as relações entre a imprensa e o poder político.
Ao longo da trajetória do prêmio, as matérias de cunho social tiveram uma predominância na categoria principal – o Esso de Jornalismo – em comparação às reportagens apresentando outras temáticas, como política, economia, esportes ou internacional, especialmente nas décadas de 50, 60 e 70. A revista O Cruzeiro foi a pioneira na história do programa, tendo conquistado o prêmio único em 1956 pela reportagem “Uma tragédia brasileira: os paus-de-arara”, dos jornalistas Mário de Moraes e Ubiratan de Lemos. Desde então, o concurso consolidou-se como detentor de um poder de distinção profissional que o diferencia dos demais prêmios.
As publicações premiadas
Nestes 60 anos, 17 órgãos de divulgação foram consagrados pelo programa institucional da Esso na categoria principal, com destaque para a Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo e O Globo. O Jornal do Brasil, outro diário com grande número de prêmios na história do concurso, conquistou a láurea máxima pela última vez em 1990, período que coincide com o início do agravamento da crise financeira da organização jornalística. Os quatro veículos conquistaram 38 dos 59 prêmios distribuídos entre 1956 e 2014, representando 64,4% do total.
Deste grupo, cinco desapareceram do mercado – a maior parte, em decorrência do processo de concentração da imprensa, a partir dos anos 1970. Entre os jornais, fecharam Última Hora (RJ) e Correio da Manhã. No segmento de revistas, O Cruzeiro, Fatos e Fotos e Realidade também foram do auge à decadência.
É possível perceber ainda uma concentração geográfica dos veículos vencedores na história do Prêmio Esso. Até 2008, todos os premiados tinham sede localizada em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. A maior parte dos veículos de outras capitais teve trabalhos reconhecidos pelo prêmio em categorias secundárias, por exemplo, nas áreas esportiva, econômica e científica. Entre 2009 e 2014, três veículos situados fora do eixo Rio-São Paulo-Brasília entraram na lista dos vencedores na categoria principal: Jornal do Commercio (PE), em 2009, Gazeta do Povo (PR), em 2010, e Zero Hora (RS), em 2013. O reconhecimento dado a essas organizações jornalísticas nos últimos anos parece indicar um olhar mais atento das comissões julgadoras ao que é produzido local ou regionalmente por empresas não localizadas nos centros político, financeiro e cultural do país.
A abertura política e o papel watchdog do jornalismo
A cobertura de assuntos com desdobramentos políticos se tornou mais presente na rotina noticiosa dos principais jornais a partir do processo de distensão política “lenta, gradual e segura” pelos militares. Antes de deixar o comando, o governo de Ernesto Geisel (1974-1979) começou a desmontar alguns instrumentos da estrutura autoritária que lhe permitiram manter o controle da liberalização política. Em outubro de 1978, enviou proposta de emenda constitucional ao Congresso prevendo, dentre as mudanças mais importantes, a revogação do AI-5. Considerado um instrumento que legitimou o arbítrio, provocando o fechamento do regime militar em 1968, o ato institucional nº 5 vigorou durante dez anos. Foi extinto em 31/12/1978 e com ele uma série de medidas que restringiam liberdades e mantinham o Legislativo e o Judiciário sob controle do Planalto. Sem o AI-5, era restabelecido o direito ao habeas corpus e também estavam revogadas as pernas de morte e banimento.
No campo jornalístico, a Associação Interamericana de Imprensa aprovou um relatório em que definia a situação como de “liberdade consentida”. Atos e decretos dispondo sobre a prática de censura continuavam em vigor. O governo retirou a censura prévia, em 8 de junho de 1978, nos três últimos órgãos de divulgação (Tribuna da Imprensa, Movimento e O São Paulo) sobre os quais os censores ainda atuavam. O mesmo ocorreu no rádio e na televisão.
O Prêmio Esso de Jornalismo também começou a privilegiar temáticas que costumavam ser vigiadas pelos órgãos de repressão através de mecanismos como a censura prévia e a autocensura. Entre 1979 e 2014, foram 36 trabalhos reconhecidos na categoria principal, dos quais 23 concentram a abordagem em assuntos políticos, representando 63,88% do total de reportagens premiadas no período.
A maior parte refere-se à corrupção nas três esferas do poder, acentuando o papel da imprensa como instância fiscalizadora da atuação do Estado. Foi assim com as séries “Cobertura do caso PC – Collor”, Veja (1992); “Senadores envolvidos na fraude do painel”, IstoÉ (2001); “Os homens de bens da Alerj”, O Globo (2004) e “Denúncia do mensalão”, Folha de S.Paulo (2005), apenas para citar alguns exemplos. Outros trabalhos resgataram o tema da repressão política, tendo sido publicados e premiados já nos estertores da ditadura civil-militar no Brasil. “O sequestro dos uruguaios”, da revista Veja (Prêmio Esso em 1979); “Bombas no Riocentro”, Jornal do Brasil (1981); “O caso Baumgarten”, Veja (1983) e “Cabo Anselmo conta tudo”, IstoÉ (1984), são alguns dos trabalhos que já fazem parte da história da imprensa brasileira.
A análise das matérias vencedoras demonstra que o debate político retornava às páginas dos jornais brasileiros. O prêmio também contribui para os estudos identitários sobre a profissão à medida que os resultados apontam para um viés jornalístico mais fiscalizador dos centros do poder. Nesse período, reforçou-se a atuação dos jornalistas como investigadores da atuação do Estado, cabendo aos repórteres revelar crimes políticos cometidos durante a fase de maior repressão do regime militar e práticas de corrupção já no contexto de redemocratização do país. Consequentemente, a capital federal tornou-se espaço privilegiado nas rotinas de produção jornalística.
Do ponto de vista ético-profissional, o debate sobre o papel do jornalismo ganha dimensão ainda maior nestes tempos de forte polarização política e ideológica no Brasil. Na cobertura sobre a Operação Lava-Jato, que investiga denúncias de corrupção na Petrobras envolvendo empresários, políticos e diretores da estatal, reportagens políticas abandonam, muitas vezes, uma apuração criteriosa dos fatos e longe de esclarecer e informar com responsabilidade se reduzem a um denuncismo a serviço de outros interesses, como bem observou Rogério Christofoletti, professor da Universidade Federal de Santa Catarina: “Muito distante da preocupação de fiscalizar os poderes, de monitorar seus atos e de denunciar abusos. Sim, o jornalismo não deve transigir nesta atividade, mas vigiar é uma coisa, atacar ostensivamente é outra bem diferente.”
Se levarmos em consideração a importância do prêmio sexagenário enquanto instância de consagração de um certo padrão de jornalismo praticado no Brasil, orientando modos de atuação do repórter, os próximos resultados podem indicar algumas pistas sobre os caminhos da reportagem política no país.
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Marcio de Souza Castilho é professor adjunto do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense