Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A palavra do mentor da Folha

Octávio Frias de Oliveira comprou a Folha de S.Paulo em 1962. Queria fazer um jornal apartidário. Quarenta e três anos depois, tem nas mãos um dos mais importantes veículos de comunicação do país. Hoje com 92 anos (completa 93 em agosto), Frias ainda dá expediente diário na sede da Folha, na Alameda Barão de Limeira, no bairro de Campos Elíseos, em São Paulo.






Nesta entrevista ao Observatório, ele relembra a reforma que deu início ao projeto editorial de seu jornal. Foi no início de 1975, em parceria com o jornalista Cláudio Abramo, que a idéia germinou. A Folha, na época um jornal sem expressão, publicava pouquíssimos textos de opinião. E esta foi justamente a grande mudança: expor a opinião do jornal. A Folha ganhou uma página específica

para artigos opinativos, outra para debates, e uma coluna de crítica à mídia. Nas décadas seguintes vieram novas reformas, mas nenhuma derrubou a essência desta primeira, pilotada por Abramo e sua equipe. Ao contrário, todas beberam dela.


***



Quais eram os objetivos da reforma de 1975?


Octávio Frias de Oliveira – O objetivo era um só: melhorar o jornal. Nós achávamos que havia pontos a serem corrigidos e que era melhor fazer uma reforma. Foi o que fizemos.


Como surgiu a idéia?


O.F.O. – Eu procurei o Cláudio Abramo e, em conversa que tivemos – tínhamos longas conversas todos os dias –, surgiu a idéia. E repercutimos a idéia. Sempre de inteiro acordo, eu e ele.


Ele tinha liberdade para fazer as mudanças?


O.F.O. – Sozinho, não. Sempre comigo.


Por que o senhor escolheu Cláudio Abramo para estruturar estas mudanças?


O.F.O. – O Cláudio Abramo havia feito um programa com o Estadão. Trabalhou lá por muito tempo, mas enfrentou um problema. Na época, o governo apoiava o Estadão, mas pediu, em compensação, a cabeça do Cláudio. Eles não tiveram outra solução senão concordar, e o Cláudio foi demitido. Eu não o conhecia pessoalmente, mas conhecia seu trabalho. O convidei para vir para cá, e nunca me arrependi. Fiquei muito amigo dele; sempre nos entendemos bem, apesar de termos idéias totalmente contrárias. Ele era um companheiro formidável.


Idéias políticas contrárias?


O.F.O. – Políticas não no sentido vulgar do termo. Ideologias contrárias. O Cláudio sempre foi um homem de esquerda. Eu não me considerava um homem de esquerda.


Como foi possível inserir opinião no jornal numa época de tanta autocensura?


O.F.O. – Cedíamos no que era imprescindível. E aproveitávamos ao máximo a pequena liberdade que se tinha. Era isso. A ditadura tomou conta da mídia em geral. E foi isso que fizemos aqui, com sucesso, felizmente.


O ‘Jornal dos Jornais’ foi o berço do cargo de ombudsman na Folha?


O.F.O. – Eu acho que foi o berço, sim.


Não era perigoso criticar a mídia naquele contexto?


O.F.O. – Perigoso era sempre – ainda é. Qualquer coisa era perigosa naquela época. Hoje, continua perigoso. Menos, mas continua.


Qual a principal lição que a reforma deu ao jornal e ao jornalismo brasileiro?


O.F.O. – Eu não tenho condições de julgar isso. Para nós, foi muito bom. A Folha cresceu muito em importância jornalística, é hoje o primeiro jornal do país e tem circulação com larga margem de vantagem. Nós sempre cultivamos aqui a independência. Sempre procuramos manter o jornal independente. Na ditadura não era fácil, mas nós gozávamos de uma razoável independência. Antes disso, a Folha tinha pouca opinião. Achávamos que era importante que ela crescesse nesse terreno. Eu me lembro que quando eu convidei o Cláudio e ele aceitou, muita gente me falou: ‘Você é louco. Trazer o Cláudio Abramo para cá? Você é louco’.


Por quê?


O.F.O. – Porque o Cláudio Abramo era tido como um dos inimigos principais do governo. Porque ele era de esquerda, era um homem independente, tinha opinião própria. Mas o Cláudio foi muito útil para mim e para o jornal. Eu gostava muito dele, era uma relação fraternal.


O que ele representou para o jornalismo brasileiro?


O.F.O. – Eu acho que ele foi uma das grandes figuras do jornalismo brasileiro. Um homem inteligente, capaz, dedicado, sério. Subornar o Cláudio era impossível. Ele tinha uma personalidade própria muito forte. Nós sempre nos demos extremamente bem, fomos muito amigos.


Por que ele saiu do jornal?


O.F.O. – Eu tive uma pressão muito grande contra ele. Mandaram eu demitir o Cláudio Abramo ou fechariam o jornal. Então eu disse ao Cláudio: ‘Estamos nessa posição, recebi esse ultimato. Acho melhor você se afastar. Eu vou te convidar para ir para Paris, como nosso correspondente. Acho que é o máximo que eu posso fazer para aliviar a pressão’. Ele concordou.


Ele ficou chateado?


O.F.O. – Não achei, não. Achei que ele gostou da solução. Ele sabia que não dava mais para ficar.