As Minas Gerais foram a principal capitania brasileira do século 18, e tiveram uma grande importância na história colonial. Por causa do ouro dessa capitania, a capital foi transferida de Salvador para o Rio de Janeiro. E, o mais importante, a colônia se povoou, e ganhou importância. De acordo com Augusto de Lima, em A Capitania de Minas Gerais, 40% da população portuguesa se deslocaram para o Brasil, no século 19, depois da descoberta de ouro e diamantes nas Gerais.
A capitania também tinha características especiais, que a faziam se destacar na colônia, como explica Francisco Iglésias. Enquanto no resto do Brasil prevalecia a monocultura, o latifúndio e a escravidão, nas Minas existia uma sociedade urbana, diversificada e dinâmica. Como diz Augusto de Lima ‘o ouro de Minas Gerais introduziu a civilização e a cultura num Brasil semibárbaro, pela disseminação e isolamento das populações’.
Por volta de 1870, começou a decadência do ouro, mas a capitania já tinha uma sociedade bem estruturada. ‘(…) suas jazidas podem esgotar-se em poucos anos; mas sua influência benemérita e criadora persiste’, diz Augusto de Lima. Um exemplo disso é que, no fim do século 19, as Minas eram a capitania mais populosa do Brasil.
No entanto, paradoxalmente a isso, os jornais surgiram tardiamente na região. Era de se esperar que a capitania (depois província) acompanhasse outras regiões importantes do Brasil, e visse o nascimento de uma imprensa forte e dinâmica assim que foi liberada a publicação de jornais na colônia, em 1821, como conseqüência da Revolução do Porto, em Portugal.
As Minas foram a sexta província a ter jornais circulando. A primeira foi a do Rio de Janeiro, que, em 10 de setembro de 1808, ganhou a Gazeta do Rio de Janeiro. Em segundo lugar, ficou a Bahia, onde, em 14 de maio de 1811, começou a circular a Idade d’Ouro do Brazil. Depois, em 21 de março de 1821, em Pernambuco surgiu a Aurora Pernambucana. A quarta a ter jornais foi a do Maranhão, que, em 10 de novembro de 1821, ganhou O Conciliador do Maranhão (ele já circulava manuscrito desde 15 de abril). Em quinto lugar ficou o Pará, onde, em março de 1822 surgiu O Paraense. Nas Minas, só em 13 de outubro de 1823 (um ano e meio depois do Pará) surgiu o primeiro jornal, o Compilador Mineiro.
Até o fim de 1822 (quase um ano antes do primeiro jornal mineiro), já tinham sido criados mais de 50 periódicos no Brasil. Mesmo antes da independência, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco já possuíam uma imprensa muito dinâmica e com grande influência política. Aliás, os jornais serão o principal instrumento na luta pela independência, como mostra Isabel Lustosa em Insultos impressos.
Com a vinda da Família Real para o Brasil, no Rio de Janeiro começou a circular, em 10 de setembro de 1808, o primeiro jornal produzido no país, a Gazeta do Rio de Janeiro. Alguns meses antes, em 1º de junho de 1808, saiu a primeira edição do Correio Braziliense, mas este era impresso em Londres. Miguel Costa Filho, em A imprensa mineira no Primeiro Reinado, lembra que ‘o primeiro jornal brasileiro nasceu, viveu e morreu longe de nossas fronteiras’ (p. 4).
Pressão
Na Bahia, em 14 de maio de 1811 surgiu o segundo jornal impresso no Brasil: o Idade d’Ouro do Brazil. Também foi baiana a primeira revista literária do país, As Variedades (ou Ensaios de Literatura), um semanário criado em 1812. Em 1813, no Rio de Janeiro, começou a circular O Patriota, uma publicação literária e mercantil, feita na Imprensa Régia.
A Revolução do Porto, em 1820, facilitou a impressão e a leitura de livros e periódicos. Por isso, em 28 de agosto de 1821, um Aviso comunicou o fim das restrições para criação de publicações na colônia. Com isso, surgiram vários jornais, em 1821, nas Capitanias do Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e Maranhão. Alguns deles, meses antes do Aviso de agosto de 1821.
Antes do surgimento do primeiro jornal mineiro em outubro de 1823, a imprensa já tinha tido uma participação muito importante no Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Essas Capitanias (depois províncias) possuíam jornais muito combativos que influenciavam as decisões políticas.
No Rio de Janeiro, dentre seus vários jornais, destacava-se o Revérbero Constitucional Fluminense na defesa da Independência. Em 1821, também surgiu o combativo A Malagueta, cujo proprietário, Luis Augusto May, foi espancado duas vezes, a mando de pessoas ligadas a D. Pedro I.
Na Bahia, em 1821, foi criado o Diário Constitucional, que defendia com coragem os interesses brasileiros, e, por isso, sofria todo tipo de pressão. Em 1822, foram criados sete publicações com o objetivo de combater o Constitucional (nesse período ele não era mais diário). E, como este não se intimidou, o jornal foi fechado à força.
Cautela
Em Pernambuco, em 1822, começou a circular a Sentinela da Liberdade, de Cipriano Barata, um símbolo da combatividade jornalística. Por isso, o jornalista ia de uma prisão a outra. Ele acrescentava ao título do periódico o local onde se encontrava detido, e, por isso, o Sentinela teria 11 nomes diferentes. Em 1823, surgiu o Typhis Pernambucano, do mártir da imprensa brasileira Frei Caneca.
Enquanto isso, as Minas ainda não tinham periódicos. Várias outras províncias também não possuíam jornais. No entanto, as Minas tinham uma importância muito grande, e era de se esperar que estivessem acompanhando o movimento de nascimento de nossa imprensa.
Quando surgiram, os jornais mineiros não seguiam a linha agressiva da imprensa carioca, baiana e pernambucana. Os estudos sobre a imprensa das Gerais no século 19 destacam que os jornais na província eram moderados. Sandoval Campos, em Imprensa Mineira, publicado em 1822, diz: ‘O que não deve se deixar de lado, entretanto, é a ética da imprensa mineira, admirável de prudência e de bom senso, benéfica na sua moderada e esclarecida doutrinação, mesmo nas situações de maior melindre, ao embate violento das crises’.
O Compilador Mineiro circulou de 13 de outubro de 1823 a 9 de janeiro de 1824. Cinco dias depois surgiu o Abelha do Itaculumy, que durou até 11 de julho de 1825. Uma semana depois apareceu um jornal que teve muita importância na política mineira, O Universal, que teve como redator principal, até 1833, o polêmico político Bernardo Vasconcelos. Esta publicação foi combativa, mas sempre com a cautela característica da imprensa mineira. No entanto, em 1842, seu proprietário, que na época era José Pedro Dias de Carvalho, tomou uma das decisões mais radicais da história da imprensa brasileira. Fechou o jornal, e derreteu os tipos para fundir balas de fuzil para serem utilizadas na Revolução de 1842.
Pioneirismo
O curioso é que, apesar dos jornais terem sido tardios nas Gerais, os mineiros tiveram uma participação destacada nas primeiras experiências ligadas a arte da impressão. O mineiro frei José Mariano da Conceição Veloso, primo de Tiradentes, foi o fundador e diretor da Oficina Tipográfica, Calcográfica e Literária do Arco do Cego, em Lisboa, que funcionou apenas de 1799 a 1801. O local foi um ponto de encontro de intelectuais brasileiros e, principalmente, mineiros. Precursores da imprensa brasileira eram freqüentadores da Oficina e, certamente, lá aprenderam muito da arte da impressão. São os casos de Hipólito da Costa, o fundador do primeiro jornal brasileiro (Correio Braziliense), e o padre José Joaquim Viegas de Menezes, o precursor da imprensa e do jornalismo mineiro.
O outro nome de destaque é exatamente uma das ‘crias’ de Frei Veloso, o padre Viegas, que realizou a primeira impressão conhecida nas Minas. Segundo Lygia F.F. Cunha, em Uma Raridade Bibliográfica, ele também foi a primeira pessoa a realizar uma gravação em metal no Brasil. Foi um poema, também chamado de canto panegírico, homenageando o governador da Capitania das Minas Gerais, Pedro Maria Xavier de Athayde e Melo, que ele imprimiu, em 1807, usando a calcografia. Isso ocorreu um ano antes da transferência da Imprensa Régia para o Rio de Janeiro.
O padre Viegas também construiu uma tipografia, no período de 1820 a 1821, que teve autorização para funcionar só um ano depois, e foi o criador do pioneiro Compilador Mineiro.
Esse destaque que as Gerais tiveram na arte da impressão torna mais curiosa a questão do tardio aparecimento dos jornais. A Capitania contava com pessoas que conheciam as técnicas impressão. Além disso, em 1821, já havia uma tipografia em Vila Rica (ainda esperando autorização), e em 1822, duas em funcionamento.
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Jornalista, professor da PUC-Minas Arcos, doutorando em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, autor do livro O ombudsman e o leitor