Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A “mineiridade” de um jornalista contestador

Fotos: Elisandra Amâncio/Site:http://didimopaiva.wordpress.com/

Fotos: Elisandra Amâncio – Site:http://didimopaiva.wordpress.com/

A controversa caracterização do ethos do mineiro pode ser compreendida a partir de duas visões antagônicas de representantes de entidades de classes a respeito de um sindicalismo subversivo, nas décadas de 60 e 70. O objetivo é identificar e contextualizar dois estereótipos vigentes no que se refere ao ethos do mineiro: o conservador e o progressista. Aqui, utiliza-se o termo ethos como a imagem que atua na eficácia persuasiva e tomada por Maingueneau como:

“(…) uma noção sócio discursiva e postula que mesmo um texto escrito revela ao leitor uma representação do enunciador. Segundo ele, todo e qualquer texto, através da sua enunciação, oferece uma imagem do sujeito enunciador; imagem tributária de uma atuação social apreendida que integra uma conjuntura sócio histórica. Por isso, o ethos está vinculado ao processo de influências mútuas que funda a interação dos sujeitos sociais através da linguagem” (MAINGUENEAU apud LYSARDO-DIAS, p. 02).

O teórico francês ainda propõe os conceitos de ethos discursivo e ethos prévio:

“O ethos discursivo refere-se à imagem que o locutor constrói de si mesmo no decorrer do evento enunciativo; já o ethos prévio diz respeito à imagem que o orador tem no seu espaço social e às representações que circulam sobre sua pessoa antes mesmo de qualquer interação verbal” (MAINGUENEAU apud LYSARDO-DIAS, p. 02).

A construção simbolicamente contraditória do mito da mineiridade está forjada por fator geográfico (as montanhas de Minas) e histórico (Inconfidência Mineira), como explica Arruda:

“(…) esse acontecimento [Inconfidência Mineira] forjou “a idéia de que os mineiros reagem a todas as formas de despotismo, em nome da liberdade” já que ele foi associado ao caráter politizado e rebelde dos mineiros. A figura mítica de Tiradentes continua a ecoar no papel político das Minas Gerais e foi de alguma forma atualizada por ocasião da doença e morte de Tancredo Neves. Ambos são tomados como representativos do espírito inquieto do mineiro e de seu gosto pela luta em favor da liberdade. Isso sem falar da paisagem mineira, marcada por montanhas que, supostamente, conferem aos seus habitantes um caráter intimista e desconfiado” (ARRUDA apud LYSARDO-DIAS, p. 03).

E para contextualizar uma das representações do ethos dessa mineiridade, analisou-se o manifesto “Classes Produtoras condenam sindicalismo subversivo”, de 1963, publicado nos grandes jornais da época, tendo como signatárias entidades de classes patronais (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, Federação do Comércio do Estado de Minas Gerais, Associação Comercial e Minas Gerais, Centro das Indústrias da Cidade Industrial, Sociedade Mineira de Agricultura, Clube dos Diretores Lojistas, União dos Varejistas de Minas Gerais, Associação Mineira de Farmacêuticos, Sociedade Mineira de Engenheiros, Associação Brasileira de Lavanderias e Tinturarias, Sindicato dos Bancos de Minas Gerais, Federação das Associações Rurais do Estado de Minas Gerais), que visava a persuadir a opinião pública e o setor produtivo mineiro a se posicionarem contra o ‘sindicalismo subversivo’, o qual, por sua vez, discordava da visão de mundo compartilhada pelas organizações que assinaram o manifesto.

O ethos conservador do mineiro

Podemos relacionar seu conteúdo, cujos sujeitos do discurso são representados pelos signatários, com o ethos do mineiro conservador, cauteloso, equilibrado, defensor da ordem e dos bons costumes, influenciado pelas montanhas, que torna seus habitantes desconfiados e intolerantes com qualquer atitude “subversiva”, conforme chamada do documento:

“As classes produtoras de Minas Gerais, através de suas entidades de classe, endereçaram aos Poderes da República incisivo pronunciamento em que pedem tranquilidade para o trabalho, condenando a inflação desenfreada, a indisciplina, as espúrias organizações e o ‘sindicalismo revolucionário’” (MANIFESTO, 1963).

E esse ethos do mineiro tradicionalista está em sintonia com o ethos prévio de uma Tradicional Família Mineira [termo que também se configura como parte da “identidade cultural de Minas”, como construção discursiva, que evoca valores conservadores do ethos do mineiro: religiosidade, educação severa, moralismo etc. Ver mais em: “De Minas para o mundo”, disponível em: http://www.ufjf.br/virtu/files/2010/04/artigo-2a37.pdf. Acesso em 22 de abril, 2016], aqui representada pelas vozes das Classes Produtoras, ou seja, pela ‘voz de Minas Gerais’, cujas imagens no imaginário social foram acionadas no discurso para dar credibilidade aos apelos do documento e, dessa forma, persuadir a opinião pública da necessidade de o Estado e os cidadãos da ‘boa moral e dos bons costumes’ ‘extirparem’ todo sindicalismo subversivo, tachado de ‘estrutura maligna’, conforme apontam trechos do energético manifesto:

“Nesta hora tão conturbada da vida nacional, não pode faltar a voz de Minas Gerais, através de suas Classes Produtoras, para a severa advertência e o chamamento às soluções de ponderação e de equilíbrio. (…) Visando pleitear reformas que devem ser estudadas e feitas dentro da ordem e da legalidade, instalou-se na vida nacional uma ‘estrutura maligna’, que corrói a resistência e certamente irá leva-la ao aniquilamento, se a sua extirpação não se fizer antes que a metástase torne inócua a mais enérgica das terapêuticas. É esse ‘sindicalismo revolucionário e contra a lei’ que aspira, como já se notou, a ser um superpoder. Mas um superpoder que não seria moderador, e sim a insubmissão; não impeliria a evolução, mas plantaria a revolução; não reformaria para melhor, porque quer antes destruir do que construir” (MANIFESTO, 1963).

Oliveira, em suas análises do documento de 1963, também ratifica esse ethos conservador do mineiro:

“Pelo exposto, pode-se perceber que o ethos construído no discurso das Classes Produtoras é conservador, avesso a reivindicações sindicais e a mudanças na estrutura econômica brasileira por ser detentor dos meios de produção, socialmente importante, gerador de riqueza, política e economicamente relevante. Além disso, como representante de associações de classe, esse ethos manifesta-se em nome dessas associações, em nome dos Estados que as sediam e em nome de uma opinião pública difusa, que teria repercutido o manifesto agora publicado” (OLIVEIRA, p. 11).

Censura nas redações, escolas e sindicatos

Se o perfil tradicionalista faz parte do ethos do mineiro forjado pelas alterosas, há uma outra feição do mineirismo, um outro ethos que vai de encontro às características traçadas no Manifesto das Classes Produtoras de 1963: o forjado pelo movimento de contestação da Inconfidência Mineira, que cria no imaginário a ideia do mineiro comprometido com as liberdades e contrário a toda forma de despotismo. Para contextualizar, vamos buscar o perfil do jornalista Dídimo Paiva e sua atuação no Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais (SJPMG)/Casa do Jornalista, quando assume sua presidência, em plena ditadura militar, em 1975. O protagonismo de Dídimo mereceu sua biografia em Passos de uma paixão (MARTINS, 2011), do qual será resgatado um pouco de sua história, a fim de demonstrar que seu ethos jornalístico consiste na imagem idealizada do mineiro inconfidente, que reage a todas as formas de despotismo, em nome das liberdades civis.

Dídimo é mineiro de Jacuí, nascido em 13 de julho de 1928, o sexto de nove filhos de Sebastião José Paiva e Carolina Borges de Miranda, dos quais recebeu uma educação rígida, severa, à moda antiga dos mineiros do interior, herdando rigorosas noções de honestidade, justiça, integridade, respeito e o gosto pela música e pelo ato de contar histórias. Em 1943, decidiu deixar Jacuí e foi para São Paulo, onde trabalhou no Estado de S. Paulo e no O Tempo. Em 1948, volta a BH e começa a trabalhar no Tribuna da Imprensa e no subversivo Binômio. Em 1960, vai para o Última Hora e, em 1962, a convite de Guy de Almeida, para o Correio de Minas, além de trabalhar na TV Belo Horizonte e no O Diário. E, sete dias após o golpe militar, em 8 de abril de 1964, entrou para a redação do jornal Estado de Minas com a missão de implementar modificações e modernizar o periódico. Dídimo passou a editar a primeira página e o noticiário internacional e, a partir de 1994, assumiu o comando da editoria de Opinião, permanecendo lá por 46 anos.

A fama de Dídimo entre a categoria e governantes como jornalista intransigentemente defensor das liberdades civis, audaz e destemido o leva a assumir, em 1975, a presidência do SJPMG/Casa do Jornalista, dando início a um Novo Sindicalismo [Dídimo Paiva está entre os principais sindicalistas do Novo Sindicalismo , cujas ações vão evocar ainda mais o ethos do mineiro inconfidente e cujo ethos prévio há muito já estava consolidado entre a categoria, como descrevem Lapa et al:

“Dídimo Paiva tomou posse como presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais no dia 16 de julho de 1975. O senso de responsabilidade atribuído a ele pelos colegas de profissão acabou, finalmente, vencendo as negativas do mineiro – que, até então, resistia ao chamado. Bastaram algumas palavras em seu pronunciamento inaugural para que fosse possível prever que Dídimo realizaria grandes e relevantes mudanças na Casa dos Jornalistas. Tendo como plateia os jornalistas mineiros, além de convidados como o então governador Aureliano Chaves, deputados federais e estaduais, secretários de Estado, lideranças sindicais e outras personalidades, o jornalista ousou ao afirmar – numa época escurecida pela censura – que a liberdade de informação funcionava como forma de consciência pública, assim controlada pelo senso de liberdade com responsabilidade. ‘O estado não pode e não deve intervir’, ressaltou sem medo. Naquele instante, o jornalista reafirmava seu papel de personagem preponderante no cenário político nacional daquele período. Eram tempos difíceis para os defensores da liberdade. O então presidente Ernesto Geisel seria, alguns anos depois, responsável pelo início de um processo de lenta redemocratização. No entanto, a ditadura ainda vigorava. Era, assim, um período marcado por perdas, prisões, sequestros, torturas e, principalmente, pela censura. Desde 1968, o AI-5, Ato Institucional de número 5, funcionava como instrumento de intensificação da opressão política experimentada pela sociedade brasileira. Tudo o que fosse entendido pelo governo como transgressor ou subversivo deveria ser reprimido e severamente punido. Assim ocorreria, alguns meses depois de Dídimo assumir a presidência do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, com o jornalista Vladimir Herzog, torturado e morto em 25 de outubro daquele mesmo ano, em uma cela no DOI/Codi (Destacamento de Operações de Informações/Centro de Operações de Defesa Interna), em São Paulo. O assassinato de Vlado, um marcante momento histórico, exemplificaria também as dificuldades de se exercer um jornalismo comprometido em apresentar a realidade tal como é, em tempos de verdades distorcidas. A censura havia invadido não só as redações, como as escolas, as universidades, a música, o teatro e também os sindicatos” (LAPA, Bruna; RODRIGUES, Hila, p. 03).

O resgate do movimento sindical brasileiro

Esse ethos do mineiro contestador, encarnado por Dídimo, pode ser confirmado por alguns episódios, contados por colegas, como José Cleves:

“Conheci Dídimo em meados de 1970, em plena ditadura militar, quando ele era presidente do Sindicato dos Jornalistas de MG, ao lado do também amigo Washington Tadeu de Melo, que anos depois substituí na cobertura do Congresso Nacional pelo jornal Estado de Minas. Fiquei encafifado com aquele baixinho com cara de judeu polonês comandando o sindicato contra os milicos, sem medo e papas na língua. Dídimo não tem distúrbio de personalidade. Ele fala o que sente, de forma destemida, não importa o interlocutor. Ao receber do então governador de Minas Gerais, Aureliano Chaves, a doação de um imóvel para o sindicato, ele perguntou de estalo: se fosse para o Sindicato das Lavadeiras, o sr. faria a doação? Essas coisas não constrangem Dídimo Paiva. Quando lhe entreguei as provas do meu livro, ele passou o dedo em um por um dos jornalistas citados para saber se eu havia colocado algum elemento sem mérito. E chamou-me a atenção para um conhecido colega de trabalho, determinando que este não poderia ser citado ‘porque tem vários empregos, é desonesto’. Negou-se a entrevistar o então candidato a governador de Minas, Tancredo Neves, para um programa de televisão que comandava porque Tancredo condicionou a entrevista a perguntas por escrito. ‘Isso eu não faço, é antiético.’ Aliás, a palavra ética para Dídimo tem um sentido litúrgico. É algo sagrado” (CLEVES, 2011).

De fato, a ética está tão amalgamada no perfil de Dídimo que ele foi convidado pela Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas Brasileiros) para elaborar e, portanto, ser coautor, do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, em 1985. Esse jeito de Dídimo fazer política sindical “sem papas na língua” contraria afrontosamente o ethos de que “o bom político é mineiro porque prefere o silêncio e que não falar mal de ninguém faz parte da representação simbólica deste ethos”. (CASTRO, p.08) [Castro faz a assertiva sobre esse ethos mineiro a partir de um episódio, contado por Otto Lara Resende, que se passou com o então governador Fleury: “Na entrevista que o repórter André Petry fez com  o governador de São Paulo, nas páginas amarelas de Veja, Fleury elogia Collor e Quércia, critica os juros altos e fala bem do Marcílio. ‘O senhor não fala mal de ninguém?’, perguntou o repórter. Resposta: ‘Isso não adianta muito. A situação é tão grave que não é preciso citar nomes ou criticar pessoas. Hoje a melhor forma de se comportar em política é ser mineiro’ (RESENDE, p.174, apud CASTRO, p. 07)]. É esse ethos progressista do jornalista de Jacuí no imaginário da categoria e dos cidadãos, que a Dídimo coube ser responsável por importantes manifestos políticos e culturais no Brasil, redigidos no SJPMG/Casa do Jornalista, durante a ditadura, em favor das liberdades civis, como o manifesto “Terror Cultural” [AMÂNCIO, Elisandra. Dídimo Paiva em Fractais, 01/09/2009], contra a violência ditatorial e exigindo restabelecimento da legalidade constitucional no país (1964), além de ser autor de outro manifesto contra a Lei de Segurança Nacional (1967). Em seu editorial na edição do jornal Estado de Minas de 24 de outubro de 1972, Dídimo optou por falar de liberdade em plena ditadura, usando o Manifesto dos Mineiros, documento publicado em 1943, em outro período ditatorial do país, desta vez sob o governo Vargas. E por seu perfil ético e combativo, Paiva chegou a ser cogitado para ser ministro do TST, mas agradeceu a honraria, como contam Fernando Morais e Mauro Santayana nos prefácios dos livros que o homenageiam [SANTOS, Jorge Fernando. “O exemplo de Dídimo Paiva”. Jornal Dom Total, 03/11/01].

Aqui, é importante fazer um breve histórico da vocação subversiva da Casa do Jornalista/SJPMG, nos anos da ditadura, como símbolo de resistência e elemento que também compõe o ethos do jornalista mineiro inconfidente: a partir de 1966, a Álvares Cabral, 400 passa a ser o endereço onde jornalistas e outras categorias podiam se reunir em assembleias, atos de repúdio e manifestações para o resgate do movimento sindical brasileiro. Foi nessa mesma sede que, em uma de suas salas, articulou-se a greve de 1968 do ABC paulista, demonstrando que o SJPMG foi o ponto de partida para o resgate do movimento dos trabalhadores no Estado e depois no Brasil, berço do movimento Diretas Já!, local de reuniões onde teve participação ativa na defesa da Anistia e de vários outros sindicatos [Da redação. Pelo tombamento da Casa do Jornalista. É hora de preservarmos nossa história e resgatarmos nossa tradição de luta, jornal Oposição Sindical SJPMG, 28/01/13].

O mais jornalista-sindicalista de todos os mineiros

O papel dos jornalistas mineiros contra a ditadura foi tão emblemático que, no início da década de 1980, o SJPMG foi alvo de atentados a bomba, cuja autoria é dada ao Comando de Caça aos Comunistas (CCC). Mas longe de intimidar os jornalistas, os atentados serviram para tornar a Casa do Jornalista ainda mais forte perante a categoria e a sociedade, ficando conhecida como Casa da Liberdade, uma legenda para os jornalistas e uma frente político-sindical forte [CARMO, Dinorah. História. Qual será o destino da Casa do Jornalista após as eleições. Revista de Campanha da Chapa 3, “Por um novo tempo”, pp. 13-16, abril de 2011]. O Guia “Memórias de Resistência: lugares de repressão e de luta contra a Ditadura Militar de 1964-1985” [BELOTUR. Guia “Memórias de Resistência – lugares de repressão e de luta contra a Ditadura Militar de 1964 a 1985, em Belo Horizonte”, p. 15], elaborado pela Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte (Belotur) em 2014, aponta a importância da Casa do Jornalista como bunker democrático para a categoria e os cidadãos [como explica o ex-presidente da Belotur, Mauro Werkema (e atual presidente da Casa do Jornalista), “a publicação traz o conceito do turismo urbano contemporâneo, que inclui, entre os roteiros de destinos, os lugares de memória. “Este guia é um importante documento que destaca os locais, edifícios e monumentos onde ocorreram fatos significativos da história”:

“Entidade com vínculos históricos com a defesa da liberdade de expressão e das instituições democráticas, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais teve atuação importante na proteção dos profissionais de imprensa, na denúncia das arbitrariedades policiais e na abertura do espaço da Casa do Jornalista, na Avenida Álvares Cabral, para debates que davam voz à oposição e a outras entidades sindicais ameaçadas pelo regime militar. Alinhou-se a correntes progressistas e a organismos de defesa dos Direitos Humanos. Cedeu espaço para reuniões de outras categorias profissionais e teve participação ativa na defesa da Anistia e na campanha por eleições diretas. Atuou na organização de vários sindicatos em Minas. Foi alvo de atentados a bomba, ameaças, invasões, violação de correspondência e pichações. Em 27 de junho de 1980, véspera da visita do papa João Paulo II a Belo Horizonte, novo atentado atingiu o sindicato, que meses antes já tinha sido invadido. A explosão de uma bomba veio em meio a uma escalada de terror contra bancas de jornais, gráficas, editoras, universidades e entidades religiosas. Bombas ainda explodiram na Casa do Jornalista após a redemocratização” (BELOTUR, Guia, p. 15).

E, pela importância da Casa do Jornalista/SJPMG como local simbólico e histórico de resistência às liberdades civis durante a ditadura, em 2013, um grupo de jornalistas, intelectuais e artistas saiu em defesa da não derrubada do elegante bangalô dos anos 50 para, em seu lugar, ser construído um prédio [TÓTARO, Valéria Said. “Pelo debate e tombamento da Casa do Jornalista”. Observatório da Imprensa. Edição 734, 21. fev. 13.  2016]. Entre as justificativas do grupo que defendeu o projeto pela manutenção e requalificação do imóvel (e vencedor em Assembleias Gerais da categoria) está o inegável valor histórico e afetivo da Casa para o ethos dos jornalistas mineiros e como memorial para os muitos cidadãos que, nos anos de chumbo, utilizaram a entidade como um bunker em defesa de direitos civis.

Enfim, as duas representações simbolicamente contraditórias que remetem ao ethos do mineiro, por meio dos elementos analisados do que compõem os estereótipos forjados por critérios geográfico (alterosas) e histórico (Inconfidência Mineira), contextualizados, respectivamente, no Manifesto de 1963 e no modo de ser do jornalista Dídimo Paiva, reforçam a ideia de que a “mineiridade é uma representação simbólica que confirma as idiossincrasias dos sujeitos de Minas Gerais” (CASTRO, 2013, p. 01).

E se ethos é o peso que a figura (imagem) de determinados sujeitos tem em relação a certos ideários socialmente estabelecidos (LYSARDO-DIAS, p. 04), com efeito, a história de vida profissional e sindical do jornalista de Jacuí está no imaginário da categoria e dos cidadãos de Minas, assim como o também jornalista Otto Lara Resende, considerado “o mais mineiro de todos os mineiros” [expressão cunhada pelo jornalista Benício Medeiros a Otto Lara Resende, em seu livro Otto Lara Resende: a poeira da glória. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Prefeitura, 1998]. No caso de Dídimo Paiva, pelas seis décadas de profissão e dignidade no jornalismo, aos 88 anos completados em 13 de julho, reconhecido como o mais jornalista-sindicalista de todos os mineiros, simbolizando o ethos dos inconfidentes, junto com os 70 anos do SJPMG e cinco décadas da Casa do Jornalista, para além das montanhas da ditadura.

Referências bibliográficas:

BELOTUR, Guia “Memórias de Resistência – lugares de repressão e de luta contra a Ditadura Militar de 1964 a 1985, em Belo Horizonte”. Disponível em <http://www.belohorizonte.mg.gov.br/sites/belohorizonte.pbh.gov.br/files/guia_memoria.pdf>Acesso em 22 de abril, 16.

CASTRO, Caputo Douglas. “A Representação da mineiridade na obra jornalística de Otto Lara Resende”. Intercom. XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vitória, ES – 13 a 15 de maio de 2010. Disponível em < http://www.intercom.org.br/papers/regionais/sudeste2010/resumos/R19-0176-1.pdf>. Acesso em 22 de abril, 2016.

CLEVES, José. “A vida e a obra de Dídimo Paiva”. Observatório da Imprensa, Edição 661, 26 de set., 2011. Disponível em: < https://www.observatoriodaimprensa.com.br/armazem-literario/a-vida-e-a-obra-de-didimo-paiva/> Acesso em 22 de abril, 2016

LAPA, Bruna; RODRIGUES, Hila. “Narrativas jornalísticas e enquadramentos da ditadura militar em Minas Gerais: Dídimo Paiva e uma trajetória”. 9º Encontro Nacional de História da Midia – UFOP, Ouro Preto, Minas Gerais, 2013. Disponível em < http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/9o-encontro-2013/artigos/gt-historia-do-jornalismo/narrativas-jornalisticas-e-enquadramentos-da-ditadura-militar-em-minas-gerais-didimo-paiva-e-uma-trajetoria>. Acesso em 22. abril.16

LYSARDO-DIAS Dylia. “Ethos e construção discursiva da identidade mineira”. Universidade Federal de São João del-Rei. Disponível em: < http://www.fflch.usp.br/dlcv/enil/pdf/35_Dylia_LD.pdf>. Acesso em 22 de abril, 2016.

OLIVEIRA, Luiz Cláudio Vieira de; GUIMARÃES, Luiz. “Classes Produtoras condenam sindicalismo subversivo”. Belo Horizonte, 2008. Mimeografado.

MANIFESTO. “Classes Produtoras condenam sindicalismo subversivo”. Revista Vida Industrial, edição agosto/outubro, 1963.

MARTINS, Tião; SENA, Alberto. Passos de uma paixão. Belo Horizonte: Conceito, 2011.

RUBIÃO, André (org). Um Bunker na Imprensa. Belo Horizonte: Conceito, 2011

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Valéria Said Tótaro é jornalista, , mestranda em Estudos Culturais Contemporâneos e presidente da Comissão de Ética e Liberdade de Imprensa do SJPMG