Os fatos ocorridos com a implantação e funcionamento da República em 15 de novembro, há 126 anos, são repassados de episódios pitorescos que provocam humor e riso. Semelhante a uma ópera desafinada.
Têm como destaque um cavalo manso, escolhido a dedo. Terminou, após os relevantes serviços, por servir de montaria ao marechal Deodoro da Fonseca e ser o primeiro malandro (com quatro patas) a se beneficiar do novo regime. Aposentaram-no com regalias que incluíam ração e um tratador, para cuidá-lo enquanto vivesse. A proeza quem revelou, talvez, com misto de entusiasmo e decepção foi aquele oficial, ao declarar: “Vejam os senhores, quem lucrou no meio de tudo aquilo [a proclamação da República], foi o cavalo.”
O escritor Machado de Assis, no romance Esaú e Jacó, destaca um personagem fictício, o comerciante Custódio, que representa a apreensão e as trapalhadas que antecederam aquele ato histórico. Na onda da boataria de véspera, com a monarquia cai-não-cai, uma vez que o marechal estava muito doente e com um pé na cova, mandou fazer uma tabuleta para pregar à frente do estabelecimento comercial. Imaginou agradar os monarquistas dando-lhe o nome de “Confeitaria do Império”.
Assustado com a onda de disse-me-disse, mandou que o pintor deixasse a palavra confeitaria e a letra (d); o resto, cortasse. Dito e feito. Custódio pediu opinião ao amigo, o conselheiro Aires. Este sugeriu colocar: “Confeitaria da República”. E se houvesse uma reviravolta? Aires deu nova opinião: “Confeitaria do Governo”, que agradaria a quem assumisse o poder. Custódio, ressabiado com as artimanhas da política raciocinou… Todo governo tem oposição. Com medo que a casa fosse apedrejada como fazem hoje, os grupos de vândalos “black blocs”, concluiu colocar na tabuleta o seu nome: “Confeitaria do Custódio”. Pronto, ninguém teria nada a reclamar. Para Machado de Assis, a implantação da República não passaria de uma troca de tabuletas. Palavras de mestre e de quem conhecia os políticos.
Remédios amargos
A República nasceu da dúvida, das notícias desencontradas e do medo que o movimento não desse certo. Na véspera do dia D, o marechal Deodoro da Fonseca estava acamado. Não podia levantar-se e falar. Sofria de dispneia, doença que causa falta de ar e incômodos, produzida pela arteriosclerose. O coronel Benjamin Constant, professor de Matemática e cabeça do movimento, sentiu-se frustrado com a cena e desiludiu-se do movimento. Deodoro foi escolhido por desfrutar de confiança. Ser um líder junto aos comandados. Merecidamente o reconheceram como herói nacional da Guerra do Paraguai. Os participantes do movimento viram que o homem se achava mal e não resistiria 24 horas.
No dia aprazado, 15 de novembro de 1889, lá se encontrava Deodoro, ignorando a recomendação médica. Fardado e montando um cavalo bem treinado, para não cair, cumpriu o papel. Comandou a tropa, para satisfação dos companheiros de farda. Todos esperavam que desse o grito da “proclamação da República”. E nada. Atrapalhou-se e deu viva a Dom Pedro II. Disse que tinha uns documentos com uma relação de nomes para compor o novo Ministério do monarca. Advertido, corrigiu-se. Um advogado gritou “Viva a República”. O marechal falou grosso e o advertiu: “Ainda não é a hora.”
Cumprido o rito inicial, os líderes sentaram-se à mesa para discutir o destino do imperador e da família real. Benjamin Constant queria saber o que fazer. “Exila-se”, disse o alferes Joaquim Inácio. “Mas se desistir?” “Fuzila-se”, respondeu o alferes, por coincidência avô do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A nossa República, não há como negar, nasceu com achaques e dúvidas. Tenta-se tratá-la, ainda, hoje, com remédios amargos. Vez por outra, se mudam as tabuletas. Uma diferença: a presidente Dilma vai bem e a República mal.
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Sebastião Jorge é jornalista