Embora a Operação Condor tenha contado com a prestimosa colaboração do aparato de segurança montado depois do Golpe de 1964 no Brasil, nenhuma investigação teve andamento no país para apurar os excessos cometidos pelos responsáveis pelos órgãos de repressão. O mesmo não ocorre nos demais países participantes do esquema, onde fatos criminosos continuam sendo apurados, inclusive com a colaboração dos Estados Unidos.
Nos primeiros dias de fevereiro próximo, por determinação da Corte Suprema americana, o ex-agente da Dina (Departamento de Informação Nacional, o serviço secreto chileno) Michael Townley será ouvido em Washington sobre o assassinato do general Carlos Prats e sua mulher, Sofia Cuthbert, crime ocorrido em Buenos Aires em 30 de setembro de 1974. Townley, em depoimento anterior à juíza argentina Maria Servini de Cubria, reconheceu ser o autor material do duplo homicídio. Pelo mesmo delito estão sendo processados, no Chile, os brigadeiros Pedro Spinosa e José Zara, o general Raúl Iturriaga Neuman, os agentes civis da Dina Jorge Iturriaga, Mariana Callejas, Christoph Willike e Manuel Contreras.
A juíza Servini já tinha interrogado Townley, mas muitas perguntas ficaram sem resposta. A advogada Pamela Pereira, representante dos interesses da família do general Pratz, considera que a decisão da Corte Suprema dos Estados Unidos de autorizar nova oitiva do assassino confesso, que está no país, em sessão que contará não só com a presença da juíza que conduz o processo na Argentina, como também do magistrado chileno Alejandro Solis, que poderá apresentar seu próprio questionário na busca de provas que incriminem aqueles que estão sendo julgados no Chile. Pamela disse que o interrogatório valerá como prova tanto na Justiça argentina quanto na chilena. ‘Esta segunda oitiva é importante para que se cumpra toda a ritualidade e formalidade suficiente para que seja considerada uma diligência com pleno valor probatório.’
Tonwley vive nos Estados Unidos, sob proteção da Justiça local, favor que obteve depois de colaborar como testemunha em diversas causas judiciais. Em igual situação, também disposto a dar seu depoimento, está outro agente da Dina, Armando Fernández Larios, igualmente vinculado ao mesmo processo.
Embora a prisão do general Augusto Pinochet tenha rendido um bom espaço na mídia local, a Operação Condor continua tendo uma cobertura pífia da imprensa brasileira. Isso apesar de nosso território ter sido palco de inúmeras intervenções de agentes estrangeiros. Mas não há nenhuma colaboração da Justiça e das autoridades nacionais nos processos que correm no Chile, no Paraguai, no Uruguai e na Argentina. Só o Brasil, em grande parte por omissão da imprensa, continua de fora desse esforço de esclarecimento de fatos perturbadores da nossa história recente.
Quando examinei documentos da Operação Condor encontrados pela Justiça do Paraguai entre a farta documentação do serviço secreto do general Alfredo Stroessner, ex-ditador naquele país, encontrei relatórios demonstrando a estreita colaboração com as forças de repressão brasileiras, principalmente a polícia de São Paulo. Numa correspondência endereçada ao então delegado Romeu Tuma, o chefe do serviço secreto paraguaio, atualmente preso, não só envia um ‘presente’ e agradece sua colaboração a um seu agente que anteriormente realizou um ‘servicinho’ em território paulista, como pede seu apoio à ação de um novo enviado, portador da missiva, que vinha ao Brasil em missão especial.
Direito esquecido
Essas trocas de ‘amabilidades’ eram comuns entre os órgãos repressores do Cone Sul. Foi com o apoio do delegado Pedro Seelig, do Dops gaúcho, que agentes do Uruguai seqüestraram em Porto Alegre os ‘subversivos’ Lílian Celiberti e Universindo Dias. Na época, consegui entrevistar a dupla já presa em Montevidéu e publicar a participação da polícia gaúcha na suas repatriações ilegais. Lílian e Universindo ainda estão vivos e poderiam depor sobre o episódio. Atualmente, são políticos da Frente Ampla, aglomerado de esquerda que acaba de fazer o novo presidente do Uruguai.
Muitos não tiveram a mesma sorte que eles e desapareceram misteriosamente quando se consideravam a salvo das forças repressoras de seus países ao se refugiarem em nações vizinhas. A estreita e ilegal colaboração entre as forças militares e policiais a serviço das suas respectivas ditaduras, naquilo que ficou oficiosamente conhecido como ‘Operação Condor’, deu cobertura a uma série de assassinatos, seqüestros, intermináveis sessões de tortura e ocultação de cadáveres de militantes ainda hoje dados como desaparecidos.
Sob o pretexto de que a anistia protege os responsáveis por esses crimes, homicídios deixam de ser investigados e famílias enlutadas perdem o direito de saber o que ocorreu com seus entes desaparecidos. E a opinião pública, o que é mais importante, continua desconhecendo quem era quem, assassinos, torturadores e a realidade enfrentada pelos poucos que ousaram combater a tirania na dura luta para restabelecer a liberdade e a democracia em nosso continente.
******
Jornalista