Cláudio Abramo foi um dos maiores nomes do jornalismo brasileiro. As reformas que ele implementou na Folha, em 1975, são de sua exclusiva autoria, mas teriam ido parar no amplo cemitério de projetos da mídia caso ele não tivesse, na época, uma retaguarda empresarial consistente. O governo Ernesto Geisel (1974-1979) foi iniciado de modo relativamente auspicioso para aquele período negro do regime militar.
Geisel convidou para uma conversa informal em Brasília o então presidente da Empresa Folha da Manhã S/A (que edita a Folha de S.Paulo), Octávio Frias de Oliveira. Anunciou que pretendia suspender a censura à imprensa, que vigorava de modo impiedoso desde dezembro de 1968, quando foi baixado o Ato Institucional nº 5.
A decisão foi com certeza anunciada a outros empresários da mídia. A questão consistia em saber quais deles estariam social e economicamente credenciados para o exercício desse embrião de democracia. O fato de apenas a Folha ter-se ressaltado é sintomático de outros fatores então existentes. Uma empresa que não fosse sólida em sua contabilidade interna estaria vulnerável às pressões políticas e comerciais de setores que não apostavam na abertura do regime. Havia também empresas que, por posições historicamente conservadoras, prefeririam manter com o regime um tipo de relação subalterna, ou ao menos aguardar para que a abertura democrática não beneficiasse apenas as forças de esquerda.
A Folha, enquanto empresa, apostou na redemocratização. É o momento em que o imenso talento de Cláudio Abramo passa a ser exercido de modo borbulhante. Suas receitas eram, para os padrões de hoje, relativamente óbvias e simples. O jornal deveria voltar a expressar sua opinião. A página de editoriais, suprimida com o AI-5, voltou a ser editada. Ela se acompanhava de textos assinados pelos diretores ou jornalistas experientes de São Paulo (Samuel Wainer foi ao lado do próprio Cláudio Abramo um dos titulares da coluna), Rio de Janeiro e Brasília, entre outras sucursais.
Abriu-se também espaço para que lideranças da sociedade civil pudessem comentar a economia, os problemas sociais e a política. A regra era a do pluralismo. Não se aceitariam apenas artigos de oposição ou exclusivamente favoráveis ao regime. Pessoas como Fernando Henrique Cardoso ou João Amazonas passaram a escrever regularmente para o jornal, ao lado de Jarbas Passarinho e outros defensores do governo.
Caminho irreversível
Cláudio Abramo propôs um novo padrão técnico aos editoriais. Não se tratava apenas de ‘opinar’, mas de veicular informações tecnicamente bem articuladas em áreas como a economia, nas quais os jornalistas, no máximo, possuíam boas fontes. Por indicações recebidas, um jovem economista da Fundação Getúlio Vargas se tornou o principal editorialista na área econômica. Era Eduardo Suplicy, que a partir de então – também como articulista – se tornou um nome público. Seu substituto na equipe de editoriais, quando em 1978 ele se elegeu deputado estadual pelo então MDB, foi outro economista, José Serra.
Esse clima das páginas 2 e 3 do primeiro caderno da Folha previsivelmente se espalhou pelo resto do jornal. Eu diria que as editorias deixaram os trilhos do oficialismo e passaram a ser bem mais criativas na escolha de temas de reportagens. Os textos se tornaram mais soltos. A possibilidade de entrevistar especialistas que discordavam do governo deu ao noticiário uma pluralidade que se tornou um diferencial importante da Folha.
Pouco depois saía a primeira versão do Projeto Editorial. O texto, para reflexão e consumo interno, apostava na irreversibilidade do caminho em direção à democracia. Alertava que a Folha não seria um jornal engajado à esquerda ou de sistemática oposição. Criaram-se dois conceitos – apartidarismo e pluralismo – que em seguida foram implícita ou explicitamente adotados por outros órgãos da mídia que, sem um Frias ou um Cláudio Abramo, demoraram para embarcar no trem da abertura democrática.
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Repórter da Secretaria de Redação da Folha de S.Paulo