Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ser jornalista

Foi um telefonema de minha filha, quase no final da noite de quinta-feira que me alertou para a data. Naquele 1º de setembro completava 35 anos de jornalismo. Estava chegando de Brasília, na fila do táxi do aeroporto de Congonhas e quase imediatamente me vi transportado para o Largo da Concórdia, no Braz. Tinha vindo para São Paulo, passei no vestibular para Comunicações, e fui morar com meus avós na Vila Maria. Acordava às cinco da manhã, pegava o ônibus até o Largo da Concórdia e, de lá, para a USP. Na volta, parava na Avenida Paulista onde havia uma condução que levava até o prédio da Editora Abril, na Marginal Tietê.

Consegui o estágio por indicação do Luiz Fernando Mercadante, grande jornalista político, depois editor consagrado da revista Realidade, que no começo de vida foi casado com minha tia Zélia.

A revista Veja tinha sido criada três anos antes por Mino Carta e um grupo dos melhores jornalistas do país, muitos deles vindos do Jornal da Tarde, outra notável criação de Mino.

Naquele dia 1º de setembro de 1970, a revista pela primeira vez abria vagas para novos estagiários. Entramos eu, a Ângela Ziroldo e o Dailor Varela, sob as ordens do chefe de reportagem Talvani Guedes.

A Abril tinha fama de ser a melhor empregadora da imprensa. De fato, Victor Civita havia criado um ambiente interno, nas diversas redações, que facilitava enormemente a criatividade. Pela primeira vez, tentava-se implantar o modelo norte-americano de editoras, com revistas segmentadas, padrões gráficos requintados, enorme rigor no acabamento e pouca profundidade nas matérias –para poder pegar um público mais amplo.

Realidade ainda era uma redação de peso, mas naqueles três anos, Mino havia convertido a Veja no veículo de maior prestígio do país. Trabalhar na Veja equivalia, na época, a trabalhar hoje na Globo. Éramos todos inteligentes, brilhantes, mordazes, dos editores aos boys.

Em breve, os focas nos unimos em uma amizade que permaneceu por toda a vida – embora raramente nos encontremos. Foi lá que conheci os gaúchos, Geraldo Hasse, Jorge Escosteguy, Hélio Gama e Paulo Totti (secretário de Redação que me arrumou a vaga na Economia), com o estilo franco e direto do sul; a mordacidade típica da bancada mineira, com Geraldo Mayrink, Nirlando Beirão, Fernando Morais e Humberto Werneck; as brigas dos potiguares Talvani Guedes da Fonseca, e seus irmãos Jaílson e Roberto, mais o Dailor; os cariocas Tinhorão, Luiz Garcia, Paulo Henrique Amorim e Elio Gaspari; os paulistanos Sérgio Pompeu, Emílio Matsumoto, José Roberto Guzzo e Tão Gomes Pinto; a erudição de Léo Gilson Ribeiro, a fidalguia da bancada internacional, com Dorrit Harazim, Roberto Pompeu de Toledo e Ricardo Setti, mais a simpatia provocadora do Palhares.

Sobre todos pairava a figura de Mino, tão admirado que ser chamado à sua sala equivalia a uma promoção.

Bem público

Passamos por grandes e boas. Foi lá que acompanhamos, primeiro, a celebração do ‘milagre’, depois, o início da reação contra a ditadura. Aliás, outro dia, no clube que freqüentamos, o Mino lembrou-me de uma cena que protagonizei – e, pouco depois, o Juca Kfouri também me lembrou do episódio.

No início da resistência contra a ditadura, houve um grande evento no Teatro Ruth Escobar, uma mesa de debates com a presença de Mino Carta, Ruy Mesquita, Raymundo Pereira (do jornal Movimento, para quem mandava todas as matérias que não conseguia emplacar na Veja) e o ex-ministro Severo Gomes.

O primeiro encontro foi proibido pela ditadura. Marcou-se um segundo, teatro apinhado, lá pelas tantas, Ruy Mesquita fez um vigoroso discurso contra a ditadura, mas disse temer menos as ditaduras de direita, porque duravam menos, e dava como exemplo a ditadura do Chile –que, em sua opinião, terminaria em breve. No atrevimento dos meus 26 ou 27 anos, pedi a palavra e o desafiei: ‘Acho que o senhor está errado: vai durar muito’. Ele rebateu e fui mais atrevido ainda: ‘O senhor quer apostar?’ E ele: ‘Apostar o quê?’ E eu, na maior cara de pau: ‘Um emprego no seu jornal’. Nessa idade, a gente é muito atrevido mesmo.

Depois, foi a convivência com o pessoal do Jornal da Tarde, mais tarde a experiência inesquecível de participar, por alguns meses, de reuniões diárias com seu Frias, na Folha, o prêmio de ter podido conviver com ele e seu João Saad, da Bandeirantes, a experiência de dar um salto no escuro para poder montar minha empresa, pela absoluta incapacidade de tratar com chefias convencionais.

Nesses anos todos, freqüentei muitos ambientes, o da música, o dos empresários, o da academia, os ambientes políticos, os econômicos. Mas não me arrependi nem um pouco quando, aos 13 anos, enfrentei meu pai e anunciei: ‘Quero ser jornalista’.

Nasci jornalista. Vou morrer jornalista. E lutar até o último dia pelos valores que elevaram nossa profissão à condição de bem público, até mesmo em brigas inúteis pelos valores que dona Tereza me ensinou desde cedo, quando se tornou a primeira pessoa a me sonhar jornalista.

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Jornalista