Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Vida, doçura, esperança nossa…

Cenário: o gabinete do diretor de um jornal

Intérpretes: o diretor e o escritor que faz os artigos para ele. Entra o escritor. O diretor manda que se sente, oferece-lhe um charuto.

– Quer fumar?

– Obrigado.

– Não mande os seus artigos. Traga-os. Você não tem telefone?

– Não.

– Traga os seus artigos. Não gostei do de hoje. Se tivesse vindo, eu mostraria os pedaços para modificar. Detesto citações em francês. O povo não compreende.

– Era uma frase de La Fontaine, conhecidíssima.

– Para que citou um escritor estrangeiro? Não possuímos escritores nossos? Falta de patriotismo! É por isso que este país não progride!

– Está bem.

– Não concorda?

– Concordo…

–É a mania de vocês, literatos, a França.

– Que é que deseja para amanhã?

– Ouvi dizer que, por causa da especulação em que se meteram para a compra de um stock enorme de café, várias firmas comerciais ameaçam falir. No negócio estão metidos dois estabelecimentos bancários. Você ataque o Ministro da Fazenda.

– Mas que tem o Ministro da Fazenda com o caso?

– Não tem nada.

– E como é que hei de atacá–lo?

– Invente o motivo. E, quem ataca não é você, é o meu jornal, sou eu!

–Farei por inventar… É só?

– Só. Bem escrito, hein!

– Vou caprichar…

– Até amanhã.

– Até amanhã.

– Venha cedo. Com certeza terá que fazer emendas. E as máquinas não esperam.

O escritor vai-se embora. O diretor termina com prazer o seu charuto, pensando que está pensando. O pano cai, tristemente.

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Álvaro Moreyra (1888-1964) foi jornalista e membro da Academia Brasileira de Letras. É pai do falecido cronista esportivo Sandro Moreyra e avô da repórter da Rede Globo, Sandra Moreyra.