Cenário: o gabinete do diretor de um jornal
Intérpretes: o diretor e o escritor que faz os artigos para ele. Entra o escritor. O diretor manda que se sente, oferece-lhe um charuto.
– Quer fumar?
– Obrigado.
– Não mande os seus artigos. Traga-os. Você não tem telefone?
– Não.
– Traga os seus artigos. Não gostei do de hoje. Se tivesse vindo, eu mostraria os pedaços para modificar. Detesto citações em francês. O povo não compreende.
– Era uma frase de La Fontaine, conhecidíssima.
– Para que citou um escritor estrangeiro? Não possuímos escritores nossos? Falta de patriotismo! É por isso que este país não progride!
– Está bem.
– Não concorda?
– Concordo…
–É a mania de vocês, literatos, a França.
– Que é que deseja para amanhã?
– Ouvi dizer que, por causa da especulação em que se meteram para a compra de um stock enorme de café, várias firmas comerciais ameaçam falir. No negócio estão metidos dois estabelecimentos bancários. Você ataque o Ministro da Fazenda.
– Mas que tem o Ministro da Fazenda com o caso?
– Não tem nada.
– E como é que hei de atacá–lo?
– Invente o motivo. E, quem ataca não é você, é o meu jornal, sou eu!
–Farei por inventar… É só?
– Só. Bem escrito, hein!
– Vou caprichar…
– Até amanhã.
– Até amanhã.
– Venha cedo. Com certeza terá que fazer emendas. E as máquinas não esperam.
O escritor vai-se embora. O diretor termina com prazer o seu charuto, pensando que está pensando. O pano cai, tristemente.
******
Álvaro Moreyra (1888-1964) foi jornalista e membro da Academia Brasileira de Letras. É pai do falecido cronista esportivo Sandro Moreyra e avô da repórter da Rede Globo, Sandra Moreyra.