Friday, 20 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Colômbia e a COP16: uma dupla negação?

(Foto: Singkham/Pexels)

No final de outubro, Cali na Colômbia foi sede da COP16, uma reunião que desde 1992 ocorre a cada dois anos entre os signatários da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica. Nesse encontro na Colômbia, crucial para o futuro da biodiversidade, foi sancionado o compromisso da América Latina com a proteção ambiental. Em novembro de 2025, o Brasil assume a responsabilidade de organização da COP30, em Belém, e que se espera ser um grande encontro dedicado ao tema das mudanças climáticas, 

Frequentemente na berlinda, em função de suas supostas negligências quanto ao cuidado com a natureza, as florestas e os animais, o Brasil e a Colômbia decidiram assumir o posto de seus defensores modelo. Desde que Gustavo Petro se tornou presidente, em 2022, a Colômbia proibiu o fraturamento hidráulico para extrair petróleo, foi o primeiro signatário do chamado tratado de não-proliferação de combustíveis fósseis e formalizou um ambicioso plano nacional em favor da biodiversidade. Mas, na noite de 2 de novembro de 2024, o último dia da COP16, o balanço dessas ações revelou-se decepcionante, tanto para a Colômbia e América Latina quanto para o futuro da biodiversidade.

A Conferência de Cali foi finalizada com muita conversa, mas pouca ação efetiva. A falta de financiamento fez com que os objetivos declarados fossem negados. Por outro lado, vítima de outra negação, dessa vez pela mídia, a COP16 revelou os limites e coerções de suas possíveis ações pelos poderosos deste mundo. As autoridades colombianas estenderam o tapete vermelho. Bogotá queria romper com a imagem de país, e da cidade de Cali, muito colada à violência, ao tráfico de drogas, à destruição de recursos naturais. Cali foi escolhida porque já havia sido o refúgio de um “cartel” e porque é a cidade mais perigosa do país. Desse ponto de vista, as coisas correram bem. Os organizadores dividiram racionalmente as áreas de trabalho e de conscientização em zonas de cores diferentes: azul para convidados oficiais e verde para associações e curiosos.

O assunto era importante. Os diagnósticos foram bem identificados no passado, especialmente na última COP15, no Canadá. Em dezembro de 2022, as 196 delegações presentes em Montreal negociaram e adotaram um acordo propondo quatro objetivos globais e 23 metas de ação: redução na utilização de pesticidas, proteção de 30% da superfície do planeta e restauração de 30% das áreas degradadas. Foi criado um fundo para facilitar a implementação desses projetos. No entanto, nos últimos dois anos, o progresso observado foi modesto. E o fundo recebeu contribuições muito magras e escassas.

E a COP16 não conseguiu alterar isso. Em 2 de novembro de 2024, último dia da Conferência, a frustração era palpável. Muitos delegados se ausentaram do evento, em 1º de novembro, impedindo que qualquer decisão fosse tomada no dia 2, por falta de quórum. A conscientização e o reconhecimento universal do problema não se concretizaram devido à falta de recursos. Alguns novos acordos foram acrescentados à lista pré-existente, no que diz respeito especialmente aos povos indígenas e afrodescendentes.

Mas a verba necessária para manter o motor funcionando continuou tendo de depender de financiamentos nacionais. O fundo criado em 2022 para implementar os bons votos aplaudidos por unanimidade, ainda está seco. A criação de um comitê de acompanhamento, responsável por garantir o cumprimento das resoluções aprovadas no calor das reuniões bienais, não pode ser implementado. A recusa em tentar equivale a uma negação. Uma primeira negação. Primeira negação porque houve outra, intimamente ligada à primeira.

A COP16 foi uma decepção, devido à participação ínfima das grandes potências econômicas e de sua mídia. O presidente colombiano esperava uma conclusão bem-sucedida. Exigia a participação dos líderes mundiais. O Secretário-Geral da ONU compareceu. Mas somente, e sem querer diminuir de forma alguma seus méritos e os de seus povos, os chefes de estado da Colômbia (o país anfitrião) e os de algumas nações em busca de reconhecimento internacional estavam presentes: os azerbaijanos, organizadores da COP29 do Clima, de 11 a 22 de novembro; os armênios, em conflito com Baku, que obtiveram,  após dura luta, em 31 de outubro, em Cali, a indicação para que a COP 17 fosse realizada em Yerevan, em 2026; os bolivianos, presos em um conflito político interno do partido, com o ex-presidente Evo Morales; os bissau-guineenses e os haitianos, em graves dificuldades internas.

A imprensa da “comunidade internacional” seguiu o exemplo. A biodiversidade sucumbiu aos caprichos da campanha presidencial dos Estados Unidos. O clássico, tratado como tal, Trump/Harris, monopolizou a informação do mundo. As manchetes de primeira página, especulativas e viciantes, as manchetes das duas, três e às vezes quatro, doze páginas seguintes, ocupavam quase tudo, em jornais, semanários e na televisão. Essa eleição pode ter sido “histórica”. Mas ela foi tão histórica para o planeta quanto os assuntos abordados na COP16? Foi tão histórica quanto a tragédia que, ao mesmo tempo, confirmou na Espanha as piores previsões dos climatologistas?

Para os jornais e para a televisão, Cali não tinha nada de espetacular, não havia muito o que esperar desse encontro, negligenciado como foi pelos poderes constituídos. Além disso, a eleição presidencial dos Estados Unidos estava bem no centro da sociedade do espetáculo. Os dois candidatos defenderam os interesses de seus países com a fúria de boxeadores. Com programas de governo muito pobres.

Basta olhar para suas posições em relação à América Latina, Ásia e China, o Oriente Médio e o comércio internacional. A Rússia, em teoria, os separa. Mas Pequim e Moscou hoje estão de mãos dadas. Seus estilos diferentes eram uma garantia de bons índices de audiência. Melhores do que os que Cali poderia oferecer.

Notas

Texto publicado originalmente em francês, em 07 de novembro de 2024, no site Nouveaux Espaces Latinos, Paris/França, com o título original: “Cali, Colombie Cop 16, une doble dénégation?”. Disponível em: https://www.espaces-latinos.org/archives/123465. Tradução de Paul Fernand da Cunha Leite, Thaisa Pinheiro Carvalho e Luzmara Curcino. 

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Jean Jacques-Kourliandsky é diretor do “Observatório da América Latina” junto à Fundação Jean Jaurès, na França, especialista em análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014). Colabora frequentemente com o “Observatório da Imprensa”, no Brasil, graças à parceria com o Laboratório de Estudos da Leitura (LIRE) e com o Laboratório de Estudos do Discurso (LABOR), ambos com sede na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).