
(Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)
O Brasil prepara o maior evento mundial de 2025: a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém do Pará, no mês de novembro. O lado ruim é que parece que não aprendemos com o que ocorreu com megaeventos anteriores, por exemplo: quando o Brasil organizou a Copa das Confederações-2013, Copa do Mundo Fifa-2014 e as Olimpíadas Rio-2016. Estamos cometendo os erros banais de sempre.
Há três grandes desafios relacionados à Conferência: a agenda de combate às mudanças climáticas, a complexidade logística de sua organização e a batalha de narrativas contra os negacionistas climáticos. Em termos da agenda ambiental, o Brasil é hoje a esperança ou último suspiro diante do armagedom climático que avança a passos largos em nossa direção. Na questão logística, espera-se a vinda de 190 delegações de países, entre chefes de Estado, ministros e diplomatas, e também representantes de organismos do sistema das Nações Unidas, cientistas, dirigentes de grandes empresas e ativistas de organizações civis. A COP29, que suscitou menos expectativas, reuniu mais de 54 mil pessoas. É algo muito grande, repleto de autoridades que precisam ser ambientadas em uma “bolha” segura, o que implica custos elevados de preparação e riscos não triviais à reputação.
A maioria das pessoas no país ainda não se deu conta da importância que a Conferência terá para a cidade-sede do encontro, para a Amazônia, para o Brasil e para o mundo. A Amazônia, crucial para o destino do planeta, por incrível que pareça, nunca havia sediado uma única edição da Conferência do Clima. O que era estranho agora será histórico. Mais ainda caso se cumpra a profecia da ministra Marina Silva de que dali sairão as decisões mais importantes desde a assinatura do Acordo de Paris.
Em um evento dessa envergadura, a comunicação é um fator-chave, pois envolve tarefas inclusive de escala global. Mas que tal os governos que organizam o evento começarem a resolver problemas simples, aprendendo com os erros do passado?
Crises anteriores, como as ocorridas na Copa das Confederações-2013, Copa do Mundo Fifa-2014 e Olimpíadas Rio-2016, demonstram o quanto a relação custo-benefício desses megaeventos é sempre difícil de se compreender. A começar porque esses governos (federal, estadual e municipal) em geral são incapazes de apresentar previamente uma estimativa do quanto o país ganha, comparando-se o investimento nas cidades ao gasto com a preparação e realização do encontro. Tudo é muito nebuloso e mal explicado.
O potencial crítico desses eventos foi emblematizado pela revolta que insuflou o movimento Não vai ter Copa, de junho de 2013 a julho de 2014, com manifestações de rua e quebra-quebras que significaram um forte abalo na popularidade do governo. Naquela época, até havia uma estimativa de custos, mas a maioria da população até hoje não faz ideia de que a maior parte do orçamento para a Copa nunca foi para a construção de estádios, mas para infraestrutura urbana.
Algumas recomendações básicas podem ajudar:
– Parem de chamar o evento de COP30. Usem Conferência do Clima, Belém 2025. Em comunicação, sigla é pior que palavrão — palavrão as pessoas sabem o que significa. Algo que lembra “copo” e tem um “30” junto não diz absolutamente nada, só atrapalha. A sigla está longe de ser autoexplicativa para o público. Deixem-na só para as reuniões de burocratas. Nem mesmo Conferência da ONU sobre o Clima é uma boa, pois dá a impressão de que a ONU é a principal participante e interessada.
– Sejam transparentes. Coloquem informações sobre custos e benefícios, além de vídeos atualizados sobre as obras, nos portais e perfis em redes sociais. Quantifiquem a estimativa de benefícios para Belém, de investimentos externos na Amazônia e, inclusive, da imagem positiva do Brasil no exterior. Quanto isso corresponderia, por exemplo, ao gasto de publicidade? Até o fechamento deste levantamento, nada a esse respeito constava do portal oficial do evento: https://cop30.br/pt-br/sobre-a-cop30. Idem nos perfis de redes sociais federais e do Governo do Pará, como o @cop30naamazonia. Na Copa de 2014, mesmo que tardiamente, a Controladoria-Geral da União organizou as informações financeiras do evento em uma página só para isso: https://portaldatransparencia.gov.br/programas-de-governo/20-copa—–?ano=2014. Para a Conferência do Clima, até agora, nada.
– Separem o custo do evento do valor de investimento na cidade e mostrem o quanto essa proporção é amplamente vantajosa para Belém. A propósito, evitem usar a palavra legado. Ela foi pisoteada e ridicularizada ao extremo, às vezes sem, mas às vezes com razão. Parte do legado das Copas e das Olimpíadas foi abandonada por governos que cuspiram no que foi feito de positivo e deliberadamente deixaram inúmeras obras inacabadas. Ao mesmo tempo, legado é algo que você deixa pronto. A maioria dessas obras envolve investimentos plurianuais que atravessam mais de um mandato. Isso não é legado, é lançado e, se tudo der errado, pode ficar largado. Digam exatamente o que ficará pronto até novembro e o que está sendo feito para mudar a cara da cidade nos anos seguintes.
– Lula precisa organizar uma coalizão global em defesa de nossa Conferência do Clima. Em suas visitas oficiais ou em lives com chefes de Estado, estes podem, além de anunciar sua confirmação de presença, falar de compromissos necessários para a defesa do planeta. A depender do interlocutor, pode-se aproveitar a oportunidade para desmentir boatos e responder a alguns ataques infames dos negacionistas. Essa agenda não pode estar restrita a novembro. A cada mês, é preciso criar um mote para dar destaque ao assunto.
– Todos os ministérios, e não apenas o que cuida do meio ambiente, deveriam estar mobilizados para a Conferência do Clima em Belém. É diferente de estar mobilizado para passear em Belém. Por exemplo: quantos contatos a ministra da Cultura já fez para conseguir o engajamento de artistas renomados para defender a importância política do encontro e trazer a pauta ambiental para seus espetáculos ou comentários nas redes? Eu adoraria ver Luana Piovani defendendo a Conferência e fazendo o mesmo estrago que fez contra os que queriam privatizar nossas praias, apenas com uma câmera na mão. Quando o ministro dos Esportes vai se reunir com equipes esportivas para convencê-los a destacar alguns de seus atletas para emprestar seu prestígio à causa que tenta garantir o futuro para filhas(os) e netas(os) desses esportistas? A começar por aqueles que vivem em áreas que são recorrentemente acometidas por tragédias decorrentes de deslizamentos, enchentes e queimadas. Há uma imensa lista de artistas e esportistas renomadas, nativas do Pará e outros estados amazônicos, que são figuras queridas que podem ser convidadas para se somar a essa agenda. Também é bom saber: quantas estatais já incluíram a conferência em seu planejamento de comunicação?
– Onde é que estão as apresentações básicas, vídeos (e cortes), slides e textos com as informações essenciais e argumentos irrefutáveis, em linguagem simples? Não só para serem usados em apresentações (roadshows), mas para grupos de WhatsApp, postagens em redes sociais, reuniões de família, de trabalho, escola e conversas de boteco? É nesses lugares onde se forma a opinião pública. De preferência, que se produzam peças que fujam do formato “palestrinha”. O desafio é popularizar a Conferência.
– A Conferência e toda a agenda contra as mudanças climáticas já são alvo de ataques ferozes da indústria de desinformação. As obras, os investimentos em infraestrutura e os gastos por ocasião do evento, idem. Os petardos fabricados merecem monitoramento constante e a escalação de porta-vozes justamente para responder ou saber quando mudar de assunto, trazendo questões mais importantes.
– Alguém já providenciou a gestão de riscos para a Conferência? Começar com uma lista simples já ajuda: quais são os principais flancos explorados por quem quer sabotar o evento? O que eles falam hoje da Conferência que está por vir?
– Um ponto elementar: em qualquer megaevento, é preciso justificar muito bem a ida de alguém pago com dinheiro público. Em 2024, o Brasil enviou quase 2 mil pessoas ao Azerbaijão (mais da metade, da delegação oficial). Foi a segunda maior delegação, menor apenas que a do próprio Azerbaijão. Mesmo se tomado como o momento de passagem de bastão, nada justifica o número. Se ele fosse a metade, já seria bastante para a tarefa e demais para um governo que se diz preocupado com seus gastos. Tem que ter muita gente, mas não pode ter farra. E não basta não ter farra. Tem que parecer que não teve farra. É preciso ser bem mais rigoroso com o tamanho da delegação e conseguir justificar cada centavo.
Acima de tudo, preparemo-nos, pois virá chumbo grosso pela frente. Preparemo-nos, sim, “nós”, pois é a imagem do país e o futuro do planeta que estão em jogo. Não é pouca coisa. Na Copa das Confederações-2013, na Copa do Mundo Fifa-2014 e nas Olimpíadas Rio-2016, os governos se acovardaram diante das manifestações de rua, de uma imprensa embalada pelo lavajatismo e de políticos de oposição que nem sabiam fingir ter alguma moral e bons costumes.
Acabamos sendo melhor defendidos por atletas, turistas e correspondentes estrangeiros que não entenderam por que tanta irritação com eventos em que tudo deu certo, tudo funcionou. Tudo, salvo, em 2014, a Seleção Brasileira, aquela que perdeu de 7 x 1 e que até então era tida como a única coisa em que ainda valia a pena torcer pelo Brasil. O fato de a camisa amarelinha ter virado símbolo de uma visão deturpada, extremada e extremista do país mostra o quanto um megaevento pode se tornar alvo de uma grande batalha no campo simbólico, com as armas da comunicação. Vamos torcer para que, agora e quando entrar novembro, não percamos de W.O., sigla que significa perder sem nem mesmo entrar em campo.
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Antonio Lassance é Doutor em Ciência Política, foi coordenador de Comunicação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea (2023), chefe de gabinete e assessor da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (2003-2007). Autor do livro Instituições, Estado e Políticas Públicas.