Monday, 16 de September de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1305

Por que urge negar o negacionismo socioambiental atual?

(Foto: Bruno Peres/Agência Brasil)

Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura (disponível aqui https://www.youtube.com/watch?v=iFoAFYMDfTQ), o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, se mostrou moderado. Apesar disso, nos chama a atenção o velho debate crescimento econômico X meio ambiente que voltou à cena dada a necessidade de reconstrução da economia gaúcha e por várias vezes levantado ao debate pelo governador. Apesar de reconhecer a importância da formulação das leis ambientais, sua fiscalização e a consequente punição aos infratores da lei, foi amplamente divulgado pela mídia nacional que em 2019 o atual governador cortou e/ou alterou quase 500 pontos do Código Ambiental estadual (o atual código pode ser consultado aqui http://www.al.rs.gov.br/legis/m010/M0100018.asp?Hid_IdNorma=65984). Conforme analistas do código, as mudanças objetivaram abrandar as leis ambientais gaúchas, o que facilita o desenvolvimento das atividades econômicas.

O Rio Grande do Sul é um dos principais produtores de bens primários do país e, portanto, a agroindústria é um setor da economia bastante pujante no estado. Porém, mais do que demonizar a agroindústria, uma importante atividade econômica para o país, a noção conservadora do meio ambiente como um infindável reservatório de recursos e depósito de contaminação gerada pela forma agressiva que se intervêm na natureza deve ser substituída por uma política socioambiental que respeite comunidades locais e o ecossistema natural. Como diria Ignacy Sachs, na obra intitulada ‘Desenvolvimento includente, sustentável e sustentado’, o desenvolvimento traz consigo a promessa da modernidade inclusiva propiciada pela mudança estrutural, porém esse mesmo desenvolvimento deve respeitar os limites da ética ambiental e se fundamentar em cinco pilares: o aspecto social, a perspectiva ambiental, os limites e possibilidades territoriais, a base econômica local e as particularidades políticas.

Colocar a variável ambiental nas análises das políticas de crescimento econômico não significa que a relação sociedade-natureza esteja ocorrendo de forma harmoniosa. As variáveis políticas atualmente se destacam na discussão dos problemas ambientais internacionais e as conferências do clima são um exemplo dessa assertiva. Contudo, não podemos esquecer a COP 27, que contraditoriamente ao debate sobre a formulação de estratégias para realizar os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável foi patrocinada pelos petrodólares e, portanto, seus encaminhamentos não podiam entrar em conflito com os interesses da indústria petrolífera. As tentativas de conciliar as demandas socioambientais às perspectivas econômicas não seriam as tintas de uma sustentabilidade neoliberal globalizada?

Ou seja, promovem-se políticas de sustentabilidade desde que não conflitem com os interesses capitalistas, e o Rio Grande do Sul é um exemplo dessa política de consenso. O desmatamento no território gaúcho aumentou, e em 2022, ano do relatório Mapbiomas (disponível aqui https://brasil.mapbiomas.org/) foram desmatados 5.197 hectares (7.200 campos de futebol). Entre 1985 e 2022, o estado perdeu 3,5 milhões de hectares de vegetação nativa, ou 22% de toda cobertura vegetal original se comparado com o ano base 1985. Nesse mesmo ano, o estado tinha uma área de 1,3 milhão de hectares ocupada pela soja e, em 2022, essa área saltou para 6,3 milhões de hectares…ressalta-se que o Rio Grande do Sul produz 60% dos grãos produzidos no país, sendo celeiro para a agroindústria nacional.

O uso irresponsável dos recursos naturais e a contaminação ambiental se intensificaram, bastando para isso uma consulta aos documentos do Painel Internacional de Mudanças Climáticas (IPCC, consultado aqui https://www.unep.org/pt-br/resources/relatorios/sexto-relatorio-de-avaliacao-do-ipcc-mudanca-climatica-2022). A impossibilidade de se enfrentar os problemas sociais de maneira política faz com que as decisões políticas sejam percebidas como de natureza técnica e mais bem resolvidas por juízes ou tecnocratas, considerados portadores de uma suposta imparcialidade. 

Sendo a sustentabilidade uma ideia-força socialmente criada e que integra o corpo de representações hegemônicas na contemporaneidade, negar as evidências não seria negar a hegemonia do Antropoceno, não seria negar que a sociedade global reúne condições de destruir o meio ambiente como jamais foram vistas? O Antropoceno é um fenômeno da contemporaneidade e traz com ele as mudanças climáticas numa velocidade jamais registrada. E se ainda há alguma negação sobre a nova era geológica caracterizada pelo impacto do homem no planeta de forma mais intensa que nos séculos anteriores, sugerimos a leitura do artigo de Eduardo Viola e Larissa Basso ‘O sistema internacional no Antropoceno’ (disponível aqui https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/N4LVLLhsfppqP64MhB5KXZj/?format=pdf&lang=pt)

Os eventos naturais ocorridos no território gaúcho nos fazem pensar questões pertinentes, entre elas: em que medida a preservação e conservação do meio ambiente retarda e/ou limita o crescimento econômico e industrial, ou agroindustrial se pensarmos os eventos ocorridos no Rio Grande do Sul? E, qual caminho a seguir, optar por crescer indiscriminadamente com o objetivo de aumentar a riqueza material e depois dividi-la; ou reduzir o ritmo e a intensidade do crescimento econômico-industrial para não pressionar os limites naturais, reduzindo as desigualdades socioeconômicas através de estratégias tais como as de cooperação? 

Por fim, e sem encerrar o amplo debate, propor soluções para os problemas ambientais com base na pretensa racionalidade macroeconômica mascara as questões socioeconômicas envolvidas, bem como não resolve as questões ambientais que foram propostas em princípio. Ou, como já dissemos em outra publicação (disponível aqui https://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/HOLOS/article/view/12036), no mundo regido pelo Antropoceno, opta-se pela irresponsabilidade política e irracionalidade econômica, que leva a uma intervenção nociva ao meio ambiente. Portanto, e defendemos nesse e em outros escritos, urge negar o negacionismo socioambiental atual!

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Fábio Fonseca Figueiredo é economista, doutor em Geografia Humana pela Universidade de Barcelona, Espanha. Professor do Instituto de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte