Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Antes e depois do Observatório da Imprensa

Foto: Rodrigo Ricardo/EBC

Alberto Dines foi um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Professor no Brasil e na famosa Columbia University de Nova York, biógrafo e escritor, autor de 15 livros. Ganhador do Prêmio Jabuti (em 1993, por “Vínculos de Fogo”, na categoria Estudos Literários). Em 1968, depois do AI-5, esteve preso e foi processado por sua intransigente posição contra a censura. Sua contribuição para o jornalismo, seu estudo e sua crítica, são inestimáveis.

Em meados da década de 60, Dines era o editor-chefe do Jornal do Brasil (JB). Quase não havia literatura sobre comunicação de massa no país. Nos valíamos, então, dos disputados Cadernos de Jornalismo (depois, Cadernos de Jornalismo e Comunicação), que por sua iniciativa e sob sua responsabilidade, eram publicados pelo JB, desde 1965. Semanas de estudos jornalísticos para estudantes universitários, também eram promovidas, com a presença de medalhões do JB, sobretudo do seu celebrado “Caderno B” [1]. Em 1974, já no Departamento de Comunicação da UnB, como qualquer outro professor, líamos seu pioneiro e hoje clássico O Papel do Jornal, cuja 9ª. edição, revista e ampliada, comemorou 35 anos de publicação, em 2009.

Minha relação pessoal com Dines, no entanto, só se iniciaria em 2003. Representando a sociedade civil, ele fez parte da primeira composição do Conselho de Comunicação Social (CCS). Previsto na Constituição de 1988 e criado por lei em 1991, o CCS só foi instalado em 2002 [2]. Dines passou a fazer parte da sua Comissão de Concentração da Mídia.

Já havia publicado alguns textos na versão eletrônica do Observatório da Imprensa (OI), criado por Dines em 1996 [3]. Um deles, sobre concentração da mídia [4]. Dines propôs ao CCS a realização de um seminário sobre o tema. Convidado, fiz uma apresentação em 30 de junho de 2003 [5]. Recebi, então, o convite do Dines para me tornar colaborador permanente do Observatório da Imprensa [6].

Em processo de redefinição profissional, após uma interrompida experiência como coordenador de pós-graduação na recém-criada Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), só pude aceitar o convite a partir de agosto de 2004. Comecei como colunista quinzenal e, logo depois, semanal. Foram centenas de colunas, ao longo de quase 12 anos [7].

A colaboração permanente com o OI significou um “antes e depois” para mim [8]. Um conjunto de novas oportunidades se abriu, com horizontes que iam muito além do restrito espaço da vida acadêmica, da qual acabara de me aposentar. Meu trabalho passou a ter visibilidade pública e recebi inúmeros convites para palestras em eventos dos mais variados. Artigos que escrevi para o OI foram reaproveitados, com ou sem alterações, em livros que publiquei ao longo do tempo.

Por solicitação do Dines, conduzi também duas pesquisas, ambas financiadas pelo PROJOR – Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo, em parceria com o Labjor, o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). A primeira, “Concessionários de radiodifusão no Congresso Nacional: ilegalidade e impedimento“, realizada durante a 52ª. Legislatura (2003-2004). O relatório final deu origem a uma Representação junto à Procuradoria Geral da República que levou ao questionamento judicial de várias concessões [9]. A segunda, “Rádios comunitárias – Coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004)”, conduzida com Cristiano Aguiar Lopes e concluída em 2007, fez um levantamento inédito sobre rádios comunitárias no Brasil. Argumentamos que as barganhas políticas características do “coronelismo eletrônico” se davam agora, prioritariamente, através de autorizações para rádios comunitárias.

Em setembro de 2006, a convite do Dines, participei em São Paulo do Colóquio Latino-Americano sobre Observação da Mídia, promovido pelo OI com apoio da Fundação Ford e da BBC. Uma tentativa pioneira de discutir os problemas comuns e as perspectivas da crítica da mídia no continente. Marcelo Beraba e eu fizemos os comentários críticos sobre a palestra do pesquisador italiano Mauro Cerbino, da FLACSO.
Entre 1998 e 2016, Dines conseguiu levar o debate crítico sobre a mídia para a televisão. Conduziu e apresentou semanalmente, o “Observatório da Imprensa na TV”, na TV Brasil.

Até hoje (janeiro de 2021), a descrição do programa está disponível na internet:

O Observatório da Imprensa analisa de forma crítica o desempenho da mídia a partir de assuntos que estão em destaque na imprensa. O jornalista Alberto Dines, editor-responsável, apresenta o programa do estúdio no Rio de Janeiro. O Observatório tem a participação de convidados em estúdios de outros estados, sempre ao vivo. (…) Além das edições semanais factuais ao vivo, o Observatório realiza anualmente programas especiais gravados no Brasil ou no exterior. (…) Em alguns casos, estes programas resultam em kits de vídeos que são oferecidos a universidades de Jornalismo e pesquisadores.

Muitas vezes participei como convidado do OI na TV, que ia ao ar “ao vivo”, dos estúdios da TV Brasil, no Rio de Janeiro. Depois do programa, jantava com Dines no restaurante do tradicionalíssimo Hotel Novo Mundo no Flamengo, onde sempre se hospedava. Os garçons esperavam por ele. Era um grande conhecedor de vinhos. Com ele aprendi o básico para se distinguir a qualidade de um bom vinho.

Para comemorar os 15 anos de exibição ininterrupta do programa na TV Brasil (maio de 2013), Dines e sua equipe prepararam um kit com 16 episódios, reunidos em 4 DVDs, com folhetos explicativos, sobre a História da Imprensa no Brasil. Uma preciosidade. Depois de mais de 18 anos no ar, o OI na TV foi descontinuado com as intervenções ocorridas na EBC, que perdeu suas características de empresa pública com o golpe de 2016.

Dines foi também o responsável e editor da edição fac-similar do Correio Braziliense ou Armazém Literário (1808-1822) de Hipólito José da Costa, pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, em 2001. Qualquer estudioso da imprensa no Brasil reconhece o valor de tal empreendimento. Nos seus 31 volumes, está, por exemplo, a primeira versão em português do clássico Areopagítica (1644), de John Milton, publicada nas edições de maio e junho de 1810.

No Prefácio para o meu Mídia – Crise Política e Poder no Brasil (2006), Dines escreveu:

“Venício A. de Lima dedica-se há alguns anos a desvendar esse emaranhado de ilicitudes (que provocam a concentração da mídia), mas também em trabalhar para a sua extinção. O acadêmico laureado não se satisfaz com o pioneirismo de seus estudos teóricos, por isso empenha-se com igual disposição e garra cidadã em operar as ferramentas para combater a grande disfunção do processo de comunicação no Brasil.”

Em 2012, quando completou 80 anos de vida e 60 de jornalismo, Dines reuniu os amigos para uma celebração na parte de cima da Cervejaria Nacional, em Pinheiros, São Paulo. Tive a honra de ter sido um dos convidados.

Dines faleceu em maio de 2018, aos 86 anos. Seu convite para que colaborasse de forma permanente no OI, abriu novas possibilidades, fora da academia, para um professor aposentado. Tive o privilégio de trabalhar com ele e de privar de sua amizade. Um jornalista maior e um grande ser humano.

***

Venício A. Lima é jornalista e sociólogo, professor emérito da UnB, pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e autor de inúmeras obras, entre as quais “Parceiros de Caminhada” (do qual faz parte o texto acima) e “Cultura do Silêncio e Democracia no Brasil: ensaios em defesa da liberdade de expressão (1980-2015)”.

___

Notas

[1] Em 1968, o JB, a UFMG e a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, promoveram a III Semana de Estudos Jornalísticos. Frequentei e participei do seu concurso de monografias. Fiquei em terceiro lugar com o ensaio “Breve Estudo sobre o Processo de Comunicação”. Recebi NCr$ 200,00 de prêmio.

[2] Cf. meu Conselhos de Comunicação Social – A Interdição de um instrumento de democracia participativa; FNDC, 2013

[3] O OI era uma continuidade do “Jornal dos Jornais” que Dines havia iniciado na Folha de S.Paulo, em 1975.

[4] “Comunicações no Brasil: novos e velhos atores”, Observatório da Imprensa, n. 48, 5 de julho de 1998. Também publicado na versão impressa do OI, nº 12, agosto de 1998 sob o título “Modernização em lombo de burro”, pp.12-14.

[5] Cf. “Existe concentração na mídia brasileira? Sim.”, em Observatório da Imprensa, edição 231, 1º de julho de 2003. Disponível em https://www.observatoriodaimprensa.com.br/primeiras-edicoes/existe-concentrao-na-mdia-brasileira-sim/. Todo o seminário, incluindo apresentações e debates, foi transcrito e publicado pelo Congresso Nacional (Senado Federal): Concentração da Mídia – Debates no Conselho de Comunicação Social, Brasília, 2014.

[6] Nesta época conheci também o jornalista Luiz Egypto, editor-chefe e braço direito do Dines no OI. Desenvolvemos uma grande camaradagem que, para minha alegria, permanece até hoje.

[7] Pedro Varoni e Lucy Oliveira organizaram uma antologia dos textos publicados no OI e incluíram quatro dos que escrevi. Cf. Observatório da Imprensa – Uma antologia da crítica da mídia no Brasil de 1996 a 2018. Editora Casa da Árvore, São Paulo, 2018. Disponível em https://issuu.com/observatoriodaimprensa/docs/ebook_oi_final 

[8] Nesta época, fui também colaborador permanente do Portal Carta Maior e da revista Teoria e Debate.

[9] Cf. Luiz Egypto, “Ministério Público propõe anulação de concessões”, Observatório da Imprensa, edição 443, de 27 de julho de 2007 em https://www.observatoriodaimprensa.com.br/circo-da-noticia/ministerio-publico-propoe-anulacao-de-concessoes/. Uma versão ampliada do relatório final está no meu Mídia Crise Política e Poder no Brasil, Editora Fundação Perseu Abramo, 2006.