Colegas da indústria da mídia viam Alberto Dines como um insatisfeito com a ordem e polemista. Mas ao conhecer o premiado brasileiro de 81 anos, você se depara com um cavalheiro elegante e gentil da velha guarda.
Deus é brasileiro. Dom Quixote também. Ele é carioca, tem cabelos grisalhos e ralos, é esguio e luta com um espírito nobre, humano e indomável por um Brasil que não celebra samba ou futebol, mas o pensamento independente, a ética e a crítica pública.
Seu rosto aparece na televisão brasileira, toda semana, há mais de 15 anos. Dom Quixote apresenta um programa de crítica midiática chamado “Observatório da Imprensa”, na TV Brasil /TV Cultura.
Junto com convidados, ele analisa tudo o que a mídia brasileira e internacional publicou nos dias anteriores. Funciona como um sismógrafo que detecta queixas sociais e políticas. Ele também denuncia, via rádio, incansavelmente, a falta de integridade dos conglomerados de mídia e a notória corrupção dos políticos. Ele é jornalista há sessenta anos.
Um cavalheiro da velha guarda
Colegas da mídia vêem Alberto Dines como um causador de problemas e pregador da moral. Mas quem conhece o premiado jornalista de 81 anos, vê um cavalheiro elegante da velha guarda, que usa gravatas e que desafia seus entrevistados, mas sempre os trata com respeito e justiça. Os designers da moda o vêem mais como um avô, totalmente ultrapassado, com roupas burguesas e um comportamento crítico e moralista.
“Você tem que ser realmente louco se fizer algo assim por tantos anos, como eu”, diz ele, rindo, enquanto está sentado em um camarim, sendo maquiado para entrar no ar.
Recentemente, o jornalista demonstrou interesse pela sátira política e convidou um jovem comediante para seu programa. Este é um exemplo perfeito para seu “Manifesto”, que ensina ao mundo a seguinte lição: “O homem é o único animal que ri. Só esse fato faz do humor uma questão séria”.
Dines ama o Rio de Janeiro e o Brasil. E porque ama tanto seus compatriotas, ele quer instigá-los, deixá-los curiosos, incentivá-los a formar suas próprias opiniões, envolver-se em debates, fortalecer o debate público, questionar a política e as escolhas feitas pela imprensa. Ele quer, também, uma maior distinção entre igreja e Estado. No Brasil e no mundo.
Água mole em pedra dura
No entanto, o número de fãs do programa “Observatório da Imprensa” poderia ser mais animador. Dines diz: “A audiência média do meu programa é de 65.000 espectadores. Isso é muito!”. Diante dos 195 milhões de habitantes no Brasil, isso também pode significar uma gota no oceano. Entretanto, os números não desanimam Dines em sua luta contra a desvalorização da cultura brasileira, que ele tanto teme.
Quando era jovem, Dines participou de um movimento sionista de orientação socialista, na década de 1940. Seu pai era chefe de um partido social-democrata sionista no Rio de Janeiro e queria construir seu próprio estado de Israel no espírito de Ben Gurion. “Aprendi a dirigir um trator, fui inspirado pelo espírito coletivo. Mas no cotidiano eu achava a vida coletiva terrível e insuportável, então me distanciei desses ideais.”
Quando Dines começou no jornalismo na década de 1950, havia um cenário de imprensa mais diversificado e vital no Brasil do que hoje: “O jornalismo independente estava florescendo”. Mais de dez jornais diários foram publicados no Rio de Janeiro. No entanto, a cidade perdeu o status de capital para Brasília em 1960. Um grande ponto de virada na história brasileira. Desde então, o Rio não conseguiu encontrar uma nova identidade cultural, diz Dines. Mas a experiência da ditadura foi mais traumática, durou mais de duas décadas e ainda hoje tem impacto no país.
Demitido dez vezes sem aviso prévio
No início da década de 1970, Dines tentava fazer jornalismo com os militares no poder. Ele teve que deixar o cargo de editor-chefe do Jornal do Brasil, o jornal diário mais importante do Rio, porque não cumpriu os regulamentos oficiais da censura ao reportar sobre o golpe militar no Chile e a morte do presidente chileno Salvador Allende. Uma experiência dolorosa que pode ter forçado sua transformação em crítico da mídia. “Fui demitido dez vezes sem aviso prévio como jornalista na minha vida profissional. Todas as vezes por razões políticas.”
O ambiente no mercado ficou cada vez mais hostil para Dines desde então. Um ano após sua demissão do Jornal do Brasil, escreveu sobre suas experiências com a censura no livro “O papel do jornal“. O livro se tornou objeto de estudo nas faculdades de jornalismo do país.
Na década de 1980, a deficiente autopercepção e reflexão da imprensa brasileira levou Dines a refletir sobre a cultura brasileira que frequentemente projetava promessas paradisíacas sobre o Brasil. Ele concluiu que não poderia fazer nada a respeito dessas promessas. Por outro lado, foi essa ideia de paraíso chamada Brasil que encheu seus olhos e nunca o abandonou.
Os protestos em massa de 2011 tiveram pouca cobertura pela mídia brasileira, disse Dines. “Na primeira fase, atos de vandalismo foram o foco da reportagem. A mídia seguiu por unanimidade a linha de argumentação oficial dos políticos no poder”. Entre eles, o governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin. Ele descreveu as manifestações como atos de vandalismo e convocou as forças de segurança para frear os atos, inclusive com armas de fogo, contra os “vândalos”. É com essa dureza das operações policiais que muitos brasileiros não concordam.
Inúmeros escândalos foram expostos no governo e na Câmara dos Deputados nos últimos anos. Em 2009, foi anunciado que José Sarney, o presidente do Senado, estava pessoalmente envolvido em um escândalo de ocultação de informações no Imposto de Renda. Esses escândalos estão se tornando públicos. Entretanto, mesmo com condenações judiciais, os representantes corruptos do povo podem continuar fazendo política e interferindo nos negócios. “Você deve temer que tudo continue igual”, diz Dines.
O jornalista vê um grande perigo na monopolização da mídia brasileira. Ele diz que também existe conglomerados de mídia em cidades menores..
Capital distante
A pequena diversidade na imprensa também pode estar relacionada ao fato de que nenhum dos principais jornais do país está sediado em Brasília. Em suma, existe apenas um jornal regional na capital brasileira. A distância entre São Paulo e Brasília é de aproximadamente 1000 quilômetros. Dada essa distância geográfica considerável, há uma profunda cisão entre o centro do poder e a sede da imprensa independente. Isso torna relativamente fácil para os políticos fugir do escrutínio da mídia.
“Os políticos brasileiros se comportam como se estivessem em uma casta”, diz Dines. “Eles moram na capital, Brasília, como em uma espécie de bunker”. No passado, a sede do parlamento era visitada regularmente pelos principais jornalistas do Brasil. A presença deles costumava ser frequente, diz Dines. Atualmente, um repórter jovem e inexperiente aparece no Palácio do Planalto para pegar uma ou duas notícias de um Senador, o que no fim das contas não apresenta tanta relevância. Também devido à notória ausência da imprensa brasileira na capital do governo, segundo Dines, houve um “declínio na cultura parlamentar do Brasil”.
Vida sem paredes
Alberto Dines vive em São Paulo. Cercado por arranha-céus e bares modernos no bairro artístico Vila Madalena, em um pequeno beco sem saída, numa casa cercada por plantas, que parece ter ficado no passado do centro de São Paulo. Sistema de alarme? Muros altos? Câmera de vídeo? Serviço de segurança 24 horas? Ele não precisa disso. Para ele, que evidentemente mantém sua irreverência não apenas em matéria de crítica da mídia, não faria sentido se trancar atrás de grades de aço, vidros à prova de balas e cercas de segurança, como a maioria dos moradores.
No dia do meu primeiro encontro com Dines, alguns vizinhos estavam reunidos na rua em frente à sua casa. Eles conversavam e pareciam fofocar sobre as informações que circulam no bairro. Pelo canto do olho, uma vizinha observa que ninguém responde ao toque repetitivo da campainha, e que o visitante de Dines está sozinho na entrada da casa após certo tempo de espera. Finalmente, ela se aproxima e avisa que Dines está na parte de trás da casa. Ela guia o visitante pela rua, aponta para uma janela e grita: “Dines!”
Nenhuma reação. No entanto, ela acena para mim porque sabe que Dines aparecerá, com calma e um atraso comum. Levará tempo para que esse sonhador de um mundo brasileiro melhor se levante de sua cadeira de couro entre todos os seus incontáveis livros e manuscritos, cujas pilhas chegam ao teto. Quase no céu. Dines não é facilmente perturbado em seu trabalho sobre a história e o futuro do Brasil. Ele vai abrir a porta ainda, diz a vizinha. Tudo é apenas uma questão de tempo.
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Martin Meggle é jornalista e documentarista alemão. Esteve com Alberto Dines para essa entrevista em 2011.
A tradução e revisão da reportagem, publicada originalmente na véspera do natal de 2013 no jornal Sueco NZZ , foi feita pela equipe do Observatório da Imprensa.