Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Não era amigo de qualquer um

Eu não via Millôr desde que ficou doente, há pouco mais de um ano, e não tentei vê-lo durante esse tempo. Nós nos respeitávamos e nos entendíamos; era o que ele faria, se a situação fosse inversa. Quando morre alguém de quem gostamos, a tristeza que sentimos tem muito de egoísmo, no sentido do quanto essa pessoa vai nos fazer falta. Millôr vai fazer falta, a mim e a muita gente.

Para quem vou telefonar, mesmo morrendo de timidez, para mostrar um texto? (A primeira vez foi quando escrevi meu primeiro livro.) A quem vou pedir ajuda para um título e que vai me mandar, em poucos minutos, um e-mail com 20 sugestões, entre elas “Quase Tudo”? A quem vou pedir para ouvir um problema pessoal, a quem vou poder contar qualquer coisa, que vai me escutar pacientemente e ajudar no que for possível?

Millôr não era fácil – em nenhum sentido – e, se tivesse nascido mulher, teria sido, como se dizia, “uma moça difícil”. Nunca escondeu ser machista, gostava das moças bonitas, mas nunca foi um paquerador; era galanteador, o que faz toda a diferença. E mais: era um tímido e dificilmente entrava num restaurante sozinho. Ele não era amigo de qualquer um, e tenho orgulho de ter sido amiga dele desde – desde quando mesmo?

Há muitos anos. Desde o tempo em que ele corria na beira do mar de Ipanema, num tempo em que isso ainda não era moda; desde o tempo em que era um craque no frescobol; desde o tempo em que jogávamos pôquer nas noites de sábado – Samuel [Wainer], Paulo Francis, Ivan Lessa, Millôr e eu –, Millôr às vezes pedindo só uma carta e dobrando a aposta com um par de seis, só para desnortear seus parceiros – e na rodada seguinte, fazendo tudo ao contrário.

Tudo isso, e mais um monte de boas lembranças, nunca mais. É esse nunca mais que é duro.

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[Danuza Leão é colunista da Folha de S.Paulo]