Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Um legado de grandes feitos

Morreu no sábado (7/4) à noite, cercado pela família, aos 93 anos, o repórter, jornalista investigativo, entrevistador, interrogador e lenda na mídia americana Myron Leon “Mike” Wallace. O entrevistador mais durão da TV americana, que ficou famoso no programa da CBS 60 Minutes, faleceu numa clínica para idosos em New Heaven, Connecticut, onde viveu seus últimos anos, informou a Reuters (8/3). Wallace foi um dos maiores jornalistas investigativos de nossos tempos.

A agência apresentou uma cobertura curta demais, para o escopo do legado de Wallace, ao concentrar-se nos prêmios que ganhou (20 Emmys), no grande número de reportagens que fez (800), e apenas brevemente comentando o estilo controverso e às vezes abusivo de Wallace, assim como o fato mais marcante de sua vida – o processo de difamação a que teve que responder em 1984. A Reuters não citou o autor da ação judicial, o ano em que ocorreu, nem o valor da reparação pedida pela suposta vítima. Limitou-se a registrar o processo que tanto abalou o jornalista e fez curta menção de seus questionáveis métodos de trabalho.

Wallace deixa um legado de grandes e feitos e métodos condenáveis de trabalho. Durante a cobertura do caso Watergate, informou o New York Times (8/4), a CBS pagou cem mil dólares ao chefe de pessoal do então presidente Richard Nixon, H.R. Haldeman, para entrevistas que não levaram a nada, em 1975. Em 1976, seus produtores montaram um simulacro de clínica de saúde pública em Chicago para provar fraudes num programa de saúde americano (Medicaid). Mas o momento decisivo de sua carreira veio em 1984, com o processo que respondeu por difamação ao general William C. Westmoreland, comandante-geral das tropas americanas no Vietnã entre 1964 e 1968.

Coleção valiosa

O general foi acusado de falsificar a “ordem de batalha”, ou seja, alterar o número de soldados inimigos disponíveis para batalha. Na época, Mike Wallace estava ancorando o CBS Reports. Um documentário foi produzido e nele o general acabou responsabilizado por subestimar as força do inimigo. O exército e a CIA só aceitavam que o inimigo tivesse 300 mil homens em armas. Não mais. Os especialistas em estratégia militar diziam que o número poderia chegar a 1 milhão de homens, o que contrariava a ideia de que a guerra ainda poderia ser vencida.

Documentos secretos desclassificados depois da Guerra Fria revelaram que os militares haviam sido silenciados por Westmoreland. A investigação de Wallace mostrou que não só a supressão da verdade havia ocorrido, mas que o exército e a CIA haviam sido silenciados pelo general. E mais: haveria uma conspiração “para suprimir a verdade”, informou o New York Times (8/4). A equipe havia chegado perto da verdade, mas recorreu a “métodos questionáveis” para atingi-la. Sam Adams, um antigo analista da CIA, não foi apenas entrevistado para o documentário, mas recebeu comissão de 25 mil dólares da emissora.

Anos depois, o general abandonou o processo, a CBS perdeu um pouco de sua reputação e Wallace teve um colapso nervoso, comentou o New York Times. O veterano jornalista trabalhou até quase completar 90 anos. Oficialmente aposentado em 2006, voltou meses depois à CBS para entrevistar o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Em 2008, passou por um triplo bypass no coração. Nesse mesmo ano, fez sua última aparição na televisão. Deixa uma filha, Pauline, um filho, Chris (que é jornalista na Fox News), sete netos e quatro bisnetos. Além de uma coleção de entrevistas de inestimável valor histórico para a mídia.

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[Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor]