Morte sempre atrapalha. De repente fico sabendo que morreu o Ivan Lessa e estou aqui, muito atarefado neste sábado. Como o pessoal costuma dizer nessa hora, o que eu vou dizer?
Texto é algo que nunca fica perfeito, mas entre os brasileiros o Ivan Lessa era um dos poucos que chegava lá. Seu texto sempre foi muito admirado, tanto é que um mito que se formou em torno da sua figura foi a cobrança para que ele escrevesse um romance, o que ele nunca fez.
Esperteza dele, talvez. O paranaense Dalton Trevisan era outro que também sofria essa cobrança e resolveu contemplar os credores. E se estrepou, porque o seu A Polaquinha decepcionou a crítica e os fãs. Voltou correndo para os contos cada vez mais curtos.
Ivan Lessa permaneceu fazendo uma variedade de coisas na época de O Pasquim e há muitos anos vinha escrevendo crônicas na BBC. Eram textos sempre muito bons, que ele mesmo lia no programa de rádio. Com a internet seus textos passaram também a ser publicados no site da emissora inglesa.
Só o que ele fez em O Pasquim” já basta para que seja lembrado na história do jornalismo brasileiro para todo o sempre. Mas é claro que por um grupo restrito de pessoas já que, como ele mesmo disse, “a cada 15 anos o brasileiro esquece o que aconteceu nos últimos 15 anos”.
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Acima eu disse que ele foi essencial no espírito de O Pasquim, este jornal tão especial e já esquecido entre as tantas preciosidades que o brasileiro deixa para trás. Uma das suas melhores frases, que também já citei, é aquela em que ele diz que “a cada 15 anos o brasileiro esquece o que aconteceu nos últimos 15 anos”.
Ivan Lessa escreveu isso na década de 70, quando o golpe militar de 64 já estava com mais de dez anos. De lá pra cá o período da perda de memória até se estreitou. Hoje em dia, com menos de cinco anos o brasileiro já perdeu a noção do que se passou em seu país. Muitos não lembram nem em quem votou para vereador ou deputado.
Então como é que o brasileiro vai lembrar o que foi O Pasquim? Muitos identificam este semanário como um jornal de humor, mas isso não caracteriza de forma alguma o que O Pasquim significou para o país.
O Brasil teve com a ditadura militar um dos ciclos mais cretinos da nossa história. Quando se fala hoje em dia daquele tempo, costuma-se lembrar mais a violência política contra a democracia e por isso fica muito em segundo plano ou nem é citado o conservadorismo instalado por aqui na cultura e no comportamento.
E como depois a nossa democracia teve um desenvolvimento caótico e hoje vivemos em um país de qualidade baixa qualidade política e cultural existem até algumas pessoas fazendo um revisionismo histórico fraudulento, buscando destacar qualidades na ditadura militar. Nunca acredite numa tolice dessas.
A época da ditadura militar foi das mais idiotas que já houve em nossa história. Com o apertão de ferro na política veio também o apertão no comportamento dos brasileiros, com os militares querendo legislar e impor suas ordens até sobre o biquíni das moças ou sobre o jeito de falar, namorar e, claro, fazer sexo. Evidentemente juntaram-se em torno do golpe de 64 um conjunto de instituições reacionárias que tinham como objetivo básico o controle da vida das pessoas.
Entre essas forças retrógradas estava a Igreja Católica. Todo mundo se esquece, mas durante a ditadura a Igreja torrou a paciência da sociedade brasileira com várias questões, entre elas o divórcio. Impuseram durante anos este dogma católico para todos os brasileiros. E para isso contaram com os militares. Imagine um país onde os militares e os padres é que decidem como você deve se comportar. O Brasil era assim.
E aí é que entra O Pasquim, com uma influência política e cultural que nenhum outro outro órgão de imprensa teve neste país. Aquela redação genial foi trazendo uma abertura na linguagem e no comportamento que foi um alívio naquele país fechado. E é claro que isso só podia ser feito por meio do humor. E nisso é que Ivan Lessa foi um craque, pois tinha uma habilidade como poucos para interferir de forma criativa revelando o ridículo das convenções impostas de cima.
Ele editava, pautava, escrevia enredos de fotonovelas, criava capas, bolava piadas com fotos e gravuras, bolava cartuns e personagens, criava quadrinhos junto com o Jaguar. Enfim, ele fazia o diabo naquela redação. No humor, tinha um jeito tal para a coisa que com uma legenda de foto fazia o jornal crescer em qualidade e o leitor dar gargalhadas da hipocrisia que tinha tomado a faixa presidencial nas armas..
Naquele tempo, meus meninos, até uma bunda na capa do jornal era uma luz no cotidiano opressivo. Mas para isso era preciso ter criatividade e humor. E se não tivesse alguém como o Ivan Lessa para fazer isso lá atrás com tanta genialidade, com certeza teria sido bem mais difícil viver no Bananão.