Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Resposta a uma crítica tosca

Na segunda-feira, dia 1 de outubro, faleceu o historiador inglês Eric Hobsbawm. Intelectual marxista, foi responsável por vasta obra a respeito da formação do capitalismo, do nascimento da classe operária, das culturas do mundo contemporâneo, bem como das perspectivas para o pensamento de esquerda no século XXI.

Hobsbawm, com uma obra dotada de rigor, criatividade e profundo conhecimento empírico dos temas que tratava, formou gerações de intelectuais. Ao lado de E. P. Thompson e Christopher Hill liderou a geração de historiadores marxistas ingleses que superaram o doutrinarismo e a ortodoxia dominantes quando do apogeu do stalinismo.

Deu voz aos homens e mulheres que sequer sabiam escrever. Que sequer imaginavam que, em suas greves, motins ou mesmo festas que organizavam, estavam a fazer História.

Entendeu assim, o cotidiano e as estratégias de vida daqueles milhares que viveram as agruras do desenvolvimento capitalista.

Mas Hobsbawm não foi apenas um “acadêmico”, no sentido de reduzir sua ação aos limites da sala de aula ou da pesquisa documental. Fiel à tradição do “intelectual” como divulgador de opiniões, desde Émile Zola, Hobsbawm defendeu teses, assinou manifestos e escolheu um lado.

Empenhou-se desta forma por um mundo que considerava mais justo, mais democrático e mais humano.

Claro está que, autor de obra tão diversa, nem sempre se concordará com suas afirmações, suas teses ou perspectivas de futuro. Esse é o desiderato de todo homem formulador de ideias.

Como disse Hegel, a importância de um homem deve ser medida pela importância por ele adquirida no tempo em que viveu. E não há duvidas que, eivado de contradições, Hobsbawm é um dos homens mais importantes do século XX.

Eis que, no entanto, a revista Veja reduz o historiador à condição de “idiota moral” (cf. o texto “A imperdoável cegueira ideológica de Eric Hobsbawm“).

Trata-se de um julgamento barato e despropositado a respeito de um dos maiores intelectuais do século XX. A revista desconsidera a contradição que é inerente aos homens. E se esquece do compromisso de Hobsbawm com a democracia, inclusive quando da queda dos regimes soviéticos, de sua preocupação com a paz e com o pluralismo.

A Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil) repudia veementemente o tratamento desrespeitoso, irresponsável e, sim, ideológico, deste cada vez mais desacreditado veículo de informação.

O tratamento desrespeitoso é dado logo no início do texto “historiador esquerdista”, dito de forma pejorativa e completamente destituído de conteúdo. E é assim em toda a “análise” acerca do falecido historiador.

Nós, historiadores, sabemos que os homens são lembrados com suas contradições, seus erros e seus acertos.

Seguramente Hobsbawm será, inclusive, criticado por muitos de nós. E defendido por outros tantos. E ainda existirão aqueles que o verão como exemplo de um tempo dotado de ambiguidades, de certezas e dúvidas que se entrelaçam.

Como historiador e como cidadão do mundo. Talvez Veja, tão empobrecida em sua análise, imagine o mundo separado em coerências absolutas: o bem e o mal. E se assim for, poderá ser ela, Veja, lembrada como de fato é: medíocre, pequena e mal intencionada. (São Paulo, 05 de outubro de 2012, Diretoria da Associação Nacional de História – ANPUH-Brasil, gestão 2011-2013)