Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Poeta esteve na proa das vanguardas

Em 2007, quando o encontrei próximo de completar 80 anos, Décio Pignatari não queria nem saber de comemorações. “Da mesma maneira como não existe nem nunca existiu uma vanguarda majoritária, também não quero comemorar meus 80 anos com uma data marcada pelo reconhecimento oficial.” Sempre – e em tudo – avesso à correnteza e sempre na proa das vanguardas, Pignatari era a prova viva de que “a arte atua a favor da revolução e contra o poder”.

Em seu pequeno apartamento, em Curitiba, onde praticamente se exilou antes de retornar a São Paulo, falou mal de muita coisa e de muita gente consagrada, do Prêmio Nobel de literatura à psicanálise, de Jorge Amado (1912-2001) a Ludovico Ariosto (1474-1533).

Mas não era absolutamente um ressentido.

Em plena atividade – estava escrevendo uma peça de teatro –, se dizia disposto, a partir de então, a se dedicar à prosa filosófica, apaixonado que estava por Martin Heidegger (1889-1976) e Soren Kierkegaard (1813-1855). Mas, mesmo resolvido a escrever prosa, para ele o grande mistério, como disse naquele dia, continuava sendo o “não verbal, o ícone, o vazio do vaso, o oco do pote”.

Um homem de um voluntarismo sagrado, uma inteligência, teimosia e ego descomunais, mas que afogou num tanque oito volumes de diários, para acabar com tudo o que fosse pessoal. “Eu não sou quem escreve,/ mas sim o que escrevo:/ Algures Alguém/ são ecos do enlevo” (“Eupoema”, 1952).

Reconhecimento devido

Foi também para se aproximar do mistério do ícone e para acabar com o mito de que a poesia é subjetividade e sentimento, que Décio foi, juntamente com Haroldo (1929-2003) e Augusto de Campos, um dos criadores da poesia concreta, em meados dos anos 1950.

E, diferentemente de outro mito que se criou – o de que a poesia concreta era alienada das questões sociais –, Décio, sempre crítico e, até o fim, autocrítico, desde essa época se preocupava em pensar os rumos do país, da arte e da cultura brasileiras.

Aos 85 anos, Décio Pignatari parte sem o reconhecimento que ele dizia não querer, mas que o Brasil permanece lhe devendo.

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[Noemi Jaffe é doutora em literatura brasileira pela USP e autora de A Verdadeira História do Alfabeto (Companhia das Letras)]