Perguntaram certa vez a Joelmir Beting por qual razão ele preferia escrever para as donas de casa, e não para os empresários. Sua reação: “Não escrevo para a dona de casa. Eu escrevo é para a empregada dela”.
Mesmo que não tenha sido bem assim, a resposta exemplifica a imensa novidade que Beting introduziu no jornalismo econômico. Inventou uma nova forma de explicar coisas complexas, com bom humor e boas metáforas, recheadas de erudição a caipirismos.
Sua coluna diária foi lançada pela Folha em 1970 e, a partir de 1991, passou a ser publicada por O Estado de S. Paulo e O Globo.
Sua ascensão no jornalismo se deu em fins de 1968, quando o AI-5 impôs um silêncio à vida político-partidária. O jornalismo procurou outros temas, e a economia ganhou espaço.
Beting sabia cautelosamente relatar os conflitos entre setores empresariais e o então “czar” da economia, o poderoso ministro Delfim Netto. Os tecnocratas de Brasília passaram a falar um idioma desconhecido, o “economês” e o colunista virou um tradutor que não levava a sério o jargão.
Boia-fria
Joelmir Beting foi um homem ordeiro, metódico. Nasceu em Tambaú, interior de São Paulo. Descendia de alemães imigrados em meados do século 19. Seu pai, boia-fria, arrastava os filhos para o trabalho de colher limão e jabuticaba.
Chegou à capital paulista em 1955. Passou no vestibular em ciências sociais, na USP. Mantinha-se como professor primário.
Entrou na Folha em 1966, como o encarregado de introduzir textos que atraíssem o leitor aos classificados de automóveis. Dois anos depois, virou editor do caderno de economia.
A coluna diária trouxe a ele imediata notabilidade. Na década de 1980, com inflação crescente, o enfoque de Beting passou a ser a proteção do poder aquisitivo. Duas frases criadas por ele: “Inflação é quando a mão fica maior que o bolso”; “Derrubar a inflação a golpe de recessão é como matar a vaca para acabar com o carrapato”.
Rompeu com a reputação de próximo do regime militar ao publicar, em 1984, “Igreja, Classe Trabalhadora e Democracia”, em parceria com d. Paulo Evaristo Arns e João Pedro Stédile.
Sua carreira sofreu uma reviravolta em 2003. Aceitou participar de uma campanha publicitária do banco Bradesco. Em resposta, “O Globo” e “O Estado de S. Paulo” suspenderam a publicação de sua coluna.
Beting prosseguiu no rádio e na TV. Sempre afirmou ter uma rotina de 15 horas diárias de trabalho. Não teria feito a metade do que fez sem a retaguarda de sua mulher, Lucila Beting, mãe de seus dois filhos, o publicitário Gianfanco e o jornalista esportivo Mauro.
O grande legado de Joelmir Beting está em dissociar o complicado da economia do complicado da linguagem. Ao encontrar formas mais simples de dizer as coisas, sem trair a teoria econômica, mostrou que o jargão é discriminatório, uma espécie de gíria inventada para assustar os menos iniciados. Por exemplo, a empregada da dona de casa.
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[João Batista Natali é jornalista]