Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O adeus ao repórter

Morreu na madrugada de 22/2, em São Paulo, aos 57 anos, de infarto fulminante, o jornalista e poeta Júlio Saraiva. Eleteve passagens, entre outros, por Notícias Populares, Diário Popular, Diário da Noite e Radiobrás, cobrindo especialmente grandes casos policiais. Distante das redações, viveu nos últimos anos de frilase de sua poesia, muito apreciada em Portugal. Além de manter o blog currupiao.blogspot.com,publicou A Mímica do Vento (Edigrax, São Paulo, 1990), Liturgia dos Náufragos (R.G. Editores, São Paulo, 2002) e a antologia Os 7 Pecados, em Portugal, em 2010. Seu corpo foi enterrado no domingo (24/2), no Cemitério Vila Formosa.

Conheci o Julinho entre julho e agosto de 1998, quando editava a finada revista , do igualmente finado Diário Popular. Alguém avisou que um free lancer iria me enviar algumas linhas sobre o restaurante mais barato de São Paulo, o Mesão 77. Imaginei que, se o cidadão acertasse a mão, a matéria talvez merecesse uma ou duas páginas, pois o tema era interessante. Alguns dias depois, quando comecei a passar os olhos pelas laudas (isso mesmo, laudas!) datilografadas por Júlio Saraiva, o Julinho, descobri que havia ganho uma reportagem de capa – talvez a melhor que aquela semanal tenha publicado em toda a sua trajetória.

O texto é um mergulho no dia a dia do lumpesinato paulistano no período anterior ao surgimento da chamada “nova classe média”. Faz lembrar, pela temática e o estilo, os trabalhos de João Antônio para a Realidade, em particular Um dia no cais, sobre a “boca” santista, e Este homem não brinca em serviço, que tratava dos grandes jogadores de sinuca da Pauliceia. A diferença fica por conta da forte veia poética de Julinho, que arremata O prato nosso de cada dia (o título interno) com a citação de um mestre:

“São quase seis da tarde. Mais duas horas e o pessoal do velho Laudelino [o dono do restaurante] vai poder descansar. Também o Mesão tem o seu momento drummondiano. Que é quando as portas se fecham ‘e todas as virtudes se negam’”.

Durante cerca de um ano os leitores da puderam saborear outras criações da sua lavra. Uma das últimas reportagens do Julinho para a revista, senão a derradeira, foi “Mercadão da fartura” (agosto de 1999), sobre o Mercado Municipal da Cantareira pré-restauração, que conquistou o primeiro prêmio no Troféu São Paulo Capital Mundial da Gastronomia, oferecido pela Câmara Municipal paulistana.

As duas pautas citadas, aliás, dão uma pista sobre a personalidade do autor. O seu mundo era o Centro da cidade. Não por acaso, há alguns anos, resolveu trocar o abastado Itaim Bibi, onde morou por muito tempo, por um apartamento na rua Santo Amaro. Finalmente, então, ele pôde dizer a si próprio, diante do espelho: “The right man in the right place”.

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[Dario Palhares é jornalista]