Robert Appy chegou ao Brasil em novembro de 1953. Veio da França para ocupar a função que eu havia exercido em O Estado de S. Paulo durante três anos. O dr. Julio de Mesquita Filho me pedira que procurasse um jornalista francês, bem informado em economia e desejoso de instalar-se no Brasil. Pensei imediatamente em Robert Appy.
Eu o havia conhecido alguns meses antes por ocasião de uma viagem a Paris. Appy trabalhava então no jornal Combat, onde se encarregava da seção de Economia. Naquela época, o Combat era uma verdadeira lenda: um jornal que havia nascido durante a Resistência contra a ordem nazista e cuja assinatura mais respeitada, mais talentosa, era a do escritor Albert Camus, futuro Prêmio Nobel de Literatura.
Em 1952, Camus afastou-se do Combat, mas o jornal continuava digno desse grande escritor. Os jornalistas do Combat estavam entre os melhores da França e se destacavam como aqueles cuja ética era a mais elevada. Appy fazia parte dessa equipe excepcional. Além de seus méritos jornalísticos, tinha qualidades pessoais apreciadas por todos os que o conheceram no Brasil: coragem, lealdade, seriedade e senso de responsabilidade.
Permaneci ainda alguns meses em São Paulo, depois da chegada de Appy, e pude, portanto, observar como ele superou essa prova tão terrível: integrar-se a uma equipe, enfrentando as dificuldades da língua, adaptar-se a uns e a outros. Senti-me rapidamente aliviado: o conselho que eu havia dado ao dr. Julio tinha sido um bom conselho.
Com certeza, seus artigos eram competentes, baseados em um conhecimento notável dos mecanismos econômicos e financeiros. Mas, acima de tudo, ele soube adaptar-se com muita facilidade a toda a redação e ao homem que dirigia então a editoria de Economia do Estado, meu amigo, meu excelente amigo Frederico Heller (falecido em 1991), personagem sutil, que havia escapado da Alemanha quando Hitler chegou ao poder e soube colocar sua erudição, mas também sua finura e mesmo sua sagacidade a serviço do jornal.
Última vez
Senti-me feliz ao ver que Robert Appy era totalmente isento desse “complexo de superioridade” tolamente (e muito erradamente) cultivado naquela época por alguns franceses de São Paulo (mas tenho a impressão de que, a partir daí, as coisas evoluíram no bom sentido…).
Nos anos subsequentes, revi Appy muitas vezes, quer no Brasil, quer na França, quando ele vinha visitar seus parentes ou amigos em Paris e igualmente em sua região de nascimento, Gard.
Sempre fiquei impressionado e feliz ao ver como Appy, embora tivesse sido adotado pelo Estado, havia, por sua parte, adotado o Brasil. Esse amor por São Paulo e seu povo transpirava em cada uma de suas frases. Mas ele continuava ao mesmo tempo francês até o fundo do coração. Mas era também brasileiro – e igualmente de coração. Belo exemplo de uma fusão completa entre os dois países.
Outra prova desta fusão: ele adquiriu, a respeito do Brasil, e particularmente a respeito de sua economia, um conhecimento infinito. Muito frequentemente eu não podia deixar de manifestar-lhe minha admiração. Eu ficava sem saber o que dizer. Ele sabia tudo.
Ao longo dos anos, acompanhei as provações que ele enfrentou com uma dignidade e uma elegância perfeitas – mortes em família, desaparecimento dos seus. Mais recentemente, sua saúde se deteriorou, mas o vi manter, ainda então e sempre, a mesma coragem.
Em minha última passagem por São Paulo, visitei-o na casa que mantinha admiravelmente arrumada e amava tanto. Ele estava mais tranquilo. Tive esperança de que houvesse recuperado a saúde e a alegria.
Mas, há alguns dias, o Estado me informou que sua saúde estava declinando. Recordei então os longos anos em que acompanhei, tão de perto e tão de longe ao mesmo tempo, seus sucessos e seus sofrimentos.
Revi o jovem que eu havia acolhido em 1953, mais de meio século atrás, no início de seu destino de homem. Eu teria adorado poder abraçá-lo ainda uma última vez, antes que ele chegasse às paragens misteriosas onde agora se encontra.
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Gilles Lapouge é correspondente do Estado de S.Paulo em Paris