A voz na secretária parecia vir de longe. As palavras soavam difíceis, mastigadas, e a mensagem era esta ou com variações: “Ruyzito… aqui é Telmo Martino… vivendo os seus últimos dias…”. Telmo morreu na terça-feira, aos 82 anos, o que pode sugerir que ultimamente ele pressentia o fim. Mas não foi assim. A primeira dessas mensagens foi em 2006 ou 2007. Já então a vida era um lugar escuro, um incômodo sem sentido, do qual ele só falava em se livrar.
Quando o conheci, em 1968, na Redação da “Diners”, Telmo acabara de voltar ao Rio, vindo de Londres, da BBC –suas roupas ainda recendiam a Savile Row. Sua função na revista consistia de resenhar livros, reescrever textos, traduzir artigos que o editor Paulo Francis comprava das agências e aplacar as birras de Francis contra a patroa, Beki Klabin, e vice-versa.
Pontos luminosos
Telmo era uma escola. Sabia de cor as letras das canções americanas, citava diálogos inteiros de romances, filmes e peças, e tinha uma frase fatal e hilariante sobre tudo e todos, inclusive amigos –por uma delas, Francis deixou de falar com ele por dez anos. Dos artistas brasileiros, quem Telmo admirava? Tom Jobim, Millôr Fernandes, Nelson Rodrigues. Um dia, José Lino Grünewald levou-o a almoçar com Nelson no Parque Recreio. Telmo ficou tão nervoso que derramou água sobre Nelson.
Ser aprovado por Telmo era um atestado de sofisticação. Sua presença numa reunião fazia com que a dona do apartamento passasse a noite pulando num pé só. Mas ele não era um esnobe. Aceitava qualquer convite, era atencioso com todo mundo e, certa vez, vi-o tomando uísque nacional.
Em 45 anos de amizade, desfrutei de sua cabeça privilegiada. Mas, há muito, era possível ver os pontos luminosos se apagando. A própria tela da TV à sua frente, sempre ligada, não era mais que uma parede em branco.
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Ruy Castro é jornalista e escritor, colunista da Folha de S.Paulo