Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O que John F. Kennedy era – e não era

Há 25 anos, pedi ao jornalista Charles Bartlett para falar a respeito do seu antigo e muito próximo amigo John F. Kennedy. Sua resposta foi “ninguém jamais conheceu John Kennedy, não completamente”. Hoje, 50 anos depois do assassinato de Kennedy, essa resposta ainda me parece relevante. Ele foi um homem de várias facetas, com muita coisa para ocultar, habituado a segredos e mentiras.

Organizou sua Casa Branca como uma “roda de carroça” em que ele era o que chamava de “centro vital”, o eixo. Todas as suas relações eram bilaterais. “Fui instintivo no início”, disse Kennedy. “Eu tinha identidades diferentes e essa era uma maneira útil de expressar cada uma delas sem comprometer as outras.”

O debate envolvendo essas identidades e sobre que tipo de presidente Kennedy realmente foi dominou todas as conversas antes do aniversário da sua morte. Professores e especialistas tendem a difamar o legado de JFK, considerando-o um líder comum, ineficiente. No entanto, a população americana, ou pelo menos três quartos dela, segundo pesquisa realizada este mês pelo instituto Gallup, considera o democrata o maior dos presidentes da era moderna.

Historiadores e estudiosos não o colocam no topo da lista dos grandes presidentes. E, com frequência, ficam irritados com o fato de os cidadãos colocarem Kennedy ao lado de Washington, Lincoln e Franklin Roosevelt na lista dos melhores presidentes americanos de todos os tempos. E esta avaliação começa a influenciar os livros de história adotados nas escolas. O New York Times, num longo artigo de capa assinado por Adam Cymer, reportou recentemente que os livros didáticos das escola de ensino médio, ao contrário daqueles adotados no passado, já não retratam Kennedy como um trágico herói.

“No geral, a imagem do jovem presidente carismático que inspirou a juventude em todo o mundo mudou e agora ele é visto como uma pessoa muito imperfeita cuja oratória se sobrepunha às suas realizações”, escreveu Clymer. “O fato de evitar a guerra durante a Crise dos Mísseis hoje desperta menos atenção e respeito. No entanto, os revezes legislativos e o profundo envolvimento no Vietnã têm mais destaque. O glamour da era Kennedy parece mais imagem do que realidade.”

Estadista

Outras pessoas têm destacado como as realizações de Kennedy nunca se equipararam a sua retórica grandiloquente. Contudo, a imagem é importante e também as palavras. Kennedy, como Roosevelt e Ronald Reagan, compreendeu que palavras e imagens são a maneira de chegar a milhões de pessoas. A tarefa do presidente é liderar a nação, não administrar o governo, que é inadministrável. Ninguém lembra se Lincoln conseguiu ou não equilibrar o orçamento.

Kennedy, provavelmente, não pertence à lista dos cinco maiores presidentes americanos. No entanto, eu o colocaria no topo da continuação da lista. Embora tenha governado o país durante menos de três anos, ele foi o político mais importante do mundo num período crítico, o grande líder da política nacional e internacional, no campo diplomático e na guerra, em seu país e no exterior.

No final dos seus dias, Kennedy registrou alguns feitos históricos. Evitou guerras regionais em Cuba e na Alemanha e, possivelmente, até uma 3.ª Guerra. Seu governo ficou ao lado das minorias na luta dos negros pelos direitos civis – um enorme ato de coragem quando seu próprio partido, o Democrata, controlava os Estados segregacionistas do Sul e o Congresso.

Ele apostou confiantemente que os Estados Unidos deixariam os soviéticos para trás na corrida espacial e mobilizou o país ao prometer que os americanos aterrissariam na Lua antes do término da década de 60 – o que aconteceu.

Guerra Fria

Kennedy negociou um tratado de proibição de testes nucleares com a União Soviética, o primeiro da era nuclear. E colocou as reformas da saúde e da imigração na sua agenda. Sim, ele também teve momentos desastrosos. Imprudentemente, aprovou a invasão de Cuba, em 1961, na Baía dos Porcos, e frivolamente referendou a derrubada do presidente Ngo Dinh Diem, do Vietnã do Sul, em 1963, o que levou os Estados Unidos a se envolver estupidamente no Sudeste Asiático e apoiar ditadores militares conhecidos por sua corrupção e incompetência.

Kennedy também mudou a maneira como são escolhidos os líderes. Ele ignorou e destruiu o esquema de chefões de partido e das convenções, vencendo as primárias do partido ao viajar pelo país criando suas próprias organizações estaduais e conquistando a mídia política dos EUA.

Para servir às suas ambições, empregou tudo o que estava a sua disposição: dinheiro da família, a televisão como novo veículo de propaganda e até filmes domésticos da sua fotogênica família e seu estilo de vida. E não esperou sua vez, furando a fila e passando à frente de Lyndon Johnson, Adlai Stevenson e Hubert Humphrey. Criou o modelo do candidato e das campanhas presidenciais modernas, demonstrando que a qualificação crucial para vencer uma eleição é desejar vencer.

Futuro

Kennedy também inspirou e formou uma geração pronta para algo novo, os jovens veteranos da 2.ª Guerra. Ele e depois sua bela mulher tornaram-se modelos para os americanos mais jovens. JFK não usava chapéu e, logo depois, todos os homens deixaram de usar chapéus. Adotou um corte de cabelo mais longo e logo todos o copiaram. Fomentou o otimismo nas pessoas que o elegeram.

Foi uma pessoa irresistível para milhões em todo o mundo. Sua história foi uma tragédia clássica, o jovem príncipe prostrado no leito, o atleta morrendo jovem. Tudo isto tornou-se ingrediente dos seus próprios mitos e lendas, esmeradamente cultivados por sua mulher, família e seus seguidores. E a lenda foi esvanecendo lentamente. Na pesquisa Gallup deste mês, os americanos que mais admiram Kennedy são aqueles entre 18 e 29 anos. Assim, existe a possibilidade de que eles contarão esta história daqui a 50 anos.

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Richard Reeves é professor na Universidade do Sul da Califórnia