Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um grande homem, mas não um santo

Não há dúvida de que Nelson Mandela, o prisioneiro político mais famoso do mundo, principal combatente do racismo e líder magnânimo, foi um grande homem. Ao passar um tempo com ele, havia aqueles que sentiam até uma fraqueza nos joelhos. Madiba, o nome tribal pelo qual era conhecido por muitos, tinha charme e carisma. Ele também foi responsável, mais do que qualquer outra pessoa, pela transição pacífica na África do Sul.

O arcebispo Desmond Tutu, melhor amigo de Madiba e companheiro na luta antiapartheid, uma vez me contou como ele sentia uma imensa “generosidade de espírito” de Mandela. Ele naturalmente via elementos do cristianismo na capacidade de Madiba em perdoar os racistas brancos e a compaixão pelos fracos. “Você pode pensar em Jesus. Existem aspectos divinos nele”.

Mas você não deve lembrar dele como um santo. Tutu não pensava nele desta maneira. Ele deve ser comparado a nomes como Mahatma Gandhi ou Madre Teresa, como grandes figuras morais de suas épocas. Mas o mito não deve sobrepor a realidade de humano, ricamente complexa e passional.

Em comparação a outros políticos, na África e fora dela, ele se voluntariou a apenas um mandato. No vizinho Zimbábue, um contraste: o líder déspota, Robert Mugabe, está em seu quarto desastroso governo.

Político e pragmático

Madiba é ainda mais interessante do que o vizinho vilão e do que um simples santo. Ele admitia seus erros. Os fracassos importavam para ele. Ele aprendia com os erros. Por exemplo, o maior problema pós-apartheid da África foi a epidemia de AIDS. Mandela fracassou sem prevenir que o vírus se espalhasse pela população. Em seu mandato, ele não fez quase nada para evitar a contaminação do povo.

Mas ele remediou seu erro ao se tornar um nome significante na campanha contra AIDS ao sair da presidência. Já aposentado, ele começou a falar sobre educação de saúde e tratamento, especialmente quando seu próprio filho morreu vítima da doença em 2005.

As duas últimas décadas de relativa estabilidade e algum crescimento econômico se devem a ele, contra tudo o que especialistas previam com o fim do apartheid. Apesar disso, muitos jovens desempregados seguem raivosos. Alguns acusam Mandela de ter sido um populista idiota. Muitos reclamam que os brancos seguem no controle da maioria sul-africana. Eles acusam Mandela de ter privilegiado os interesses de uma minoria. Um jornal, certa vez, o chamou de “albatroz rondando nossos pescoços”. Sul-africanos mais pobres seguem o venerando.

O maior feito de Mandela, claro, foi difundir uma constituição liberal pela igualdade racial, sexual e outros direitos. Na vida pessoal, ele também falhou. No aniversário de 90 anos de Mandela, Graça Machel me disse: “Ele definitivamente não é um santo”. Seus filhos se referiam a ele como um pai distante. Ele podia ser difícil e frio. Graça dizia que ele era teimoso, raivoso e intolerante quando seus filhos iam mal na escola.

Mesmo mais velho, Madiba tinha um bom gosto pelas mulheres bonitas. Uma jornalista irlandesa conta como ele a pediu em casamento durante uma coletiva de imprensa. Quando jovem, um belo atleta de boxe, advogado, ele era descrito como um conquistador.

Uma questão que deve ser respondida um dia é o que ele sabia exatamente sobre as atividades de Winnie Mandela, sua segunda mulher, considerada o grande amor de sua vida para muitos. Ela se envolveu em um assassinato em 1991 e foi condenada por um sequestro.

Ele costumava brincar sobre sua morte, dizendo que a primeira coisa que ele faria no céu – ele não tinha dúvidas de que acabaria lá – seria se inscrever no Congresso Nacional Africano. Era o jeito de ele dizer que era um homem político e pragmático: não um santo.

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Adam Roberts, da Slate