Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O respeito global por Mandela

A efusão global de respeito por Nelson Mandela sugere que não estamos simplesmente nos despedindo do homem que morreu, mas perdendo um certo tipo de líder único. Mandela tinha uma reserva de “autoridade moral”. Por quê? Como ele a conseguiu?

Boa parte da resposta pode ser deduzida de uma cena do filme Invictus. Ele conta a história do único mandato de Mandela como presidente e da consagração dos Springboks, o time de rúgbi do país, que venceu a Copa do Mundo de 1995 e, com isso, ajudou a superar os anos de apartheid. Antes dos jogos, porém, o comitê esportivo pretendia mudar o nome e as cores do time, formado quase exclusivamente por brancos, para algo que reflita melhor a identidade africana negra.

Mandela foi contra. Segundo ele, para fazer os brancos se sentirem em casa numa África do Sul comandada por negros era preciso não privá-los de seus símbolos. “Este é um pensamento egoísta”, diz Mandela, interpretado por Morgan Freeman. “Isto não serve à nação.” Depois, falando sobre os brancos, ele diz: “Temos de surpreendê-los com moderação e generosidade”.

Há muitas grandes lições nessa cena curta. A primeira é que, uma maneira de os líderes criarem autoridade moral é estarem dispostos a desafiar suas próprias bases, às vezes – e não somente o outro lado. É fácil liderar dizendo a sua própria base o que ela quer ouvir. É fácil liderar quando se está dando coisas. É fácil liderar quando as coisas vão bem. No entanto, é realmente complicado conseguir que sua sociedade faça algo grande e difícil.

A única maneira de fazer isso não é simplesmente pedir ao outro lado para fazer algo difícil – no caso da África do Sul, pedir aos brancos que cedam o poder a um governo de maioria negra –, mas desafiar a própria base a fazer coisas difíceis também – no caso da África do Sul, pedir que os negros evitem se vingar após tantos anos de um regime branco brutal.

União de propósitos

Dov Seidman, cuja empresa aconselha dirigentes sobre governança, defende que outra força da autoridade moral de Mandela derivou do fato de que “ele confiou a verdade a seu povo” em vez de lhe dizer apenas o que ele queria ouvir. “Líderes que confiam a verdade ao povo, verdades duras, recebem a confiança de volta”, diz Seidman. “Mandela fez coisas grandes ao se fazer pequeno. Com sua incomum humildade e disposição de confiar a verdade a seu povo, ele criou um espaço de esperança onde os sul-africanos puderam confiar uns nos outros e se uniram para realizar a transição.”

O inspirador em Mandela, segundo Seidman, é que ele não transformou a transição em um momento seu. “A questão não era ele ter ficado 27 anos preso. Não era sua necessidade de desforra.” O que estava em jogo era agarrar um momento realmente grande para avançar do racismo ao pluralismo sem paradas para vinganças. “Mandela não fez de si mesmo a esperança”, diz Seidman. “Ele viu como o desafio de sua liderança inspirar a esperança nos outros, para que eles fizessem o trabalho duro da reconciliação. Foi nesse sentido que ele realizou coisas grandes ao se fazer menor do que o momento.”

Em outras palavras, Mandela e seu parceiro, o presidente Frederik de Klerk, conseguiram que uma parte suficiente de seu povo transcendesse o passado em vez chafurdar nele. Boa parte da política americana de hoje, observa Seidman, é sobre como transmitir programas de radio e TV a uma fatia demográfica testada por pesquisas em determinada região para conseguir que um número suficiente de eleitores mude de lado para lhe dar 50,1% dos votos para ganhar uma eleição.

O gênio de Mandela foi sua capacidade de mobilizar uma massa crítica de sul-africanos para elevar, para chegar a um novo lugar, e não para simplesmente mudar alguns votos na margem. É precisamente a falta dessa liderança em tantos países que motivou milhões de indivíduos altamente conectados em diferentes países nos últimos anos a ocuparem as praças públicas.

Chocante, porém, é o fato de que nenhum desses movimentos conseguiu construir alternativas democráticas sustentáveis. Este é um projeto grande, difícil e só pode ser feito com união. Criar essa união de propósitos ainda requer o tipo certo de líder. “As pessoas estão rejeitando líderes que governam pela autoridade formal do cargo e comandam por poder hierárquico”, diz Seidman. “Elas estão ansiosas por um líder genuíno, que lidere por sua autoridade moral para inspirar e levar todos em uma jornada comum.”

******

Thomas L. Friedman é colunista do The New York Times