Nos falamos pela última vez na sexta-feira. Ele estava bem, me disse. Combinávamos uma resenha para a Retrato do Brasil e uma matéria sobre Copa do Mundo para a edição de maio. Aos 72 anos, Renatão (Renato Pompeu) mantinha um ritmo de trabalho impressionante. E sempre estava em busca de frilas para pagar as contas.
Hoje você deveria me escrever e fazer uma troça da vitória da sua Ponte Preta sobre o meu São Paulo. E agora, quem é que vai me ligar quase que semanalmente para, antes de contar uma piada e esperar com ar de expectativa o veredicto, perguntar: “Thiagôô, quais são as novidades?” Eu nunca sabia o que responder. “Temos então um jornalista sem novidades, hummmm…”, me ironizava.
Quando ficávamos algum tempo sem contato você dizia: “Thiagôô, é de praxe, entre amigos, que um procure o outro, sabia disso?”. Pois é, Renatão. Pois é… vacilei muitas vezes. Você foi uma grande influência para mim. E tive a oportunidade de dizer isso pra você. E agora, vendo os jornais fazerem seu obituário, me parece uma puta injustiça com o que você foi e representou para tanta gente. Você foi muitos, Renatão, e de uma capacidade intelectual raríssima. Uma enciclopédia ambulante, eu costumava te dizer. Você era um crítico do que se transformou o jornalismo brasileiro. Se indignou com a forma como as mulheres eram tratadas nas redações. Você Renatão, como bem lembrou o Silvio Lancelotti, em depoimento no Facebook, era um tipo inesquecível. Ele diz: “Jamais me esquecerei da noite em que os meganhas do Doi-Codi foram buscá-lo na redação de Veja – e ele voltou até a sua mesa porque havia se esquecido do guarda-chuva…”
Conselhos úteis
Um homem com tantas histórias que seus causos preencheriam muito mais do que os 22 livros que você publicou ao longo da vida. Livros, aliás, como Canhoteiro – o Homem que driblou a glória, Quatro-olhos, Memórias da Loucura. Livros incríveis.
Quando o conheci na Caros Amigos, em 2004, você chegava de mesa em mesa contando a mesma piada. Que figura! Lembro ainda de você contar a história do “parabéns para você” antes de iniciarmos a sua festinha com bolo e refrigerante, como era de seu agrado. Sabe, Renatão, tem um causo que sempre conto de você. Num fechamento, lá pelas tantas da noite, ao esperar por horas a chegada de uma reportagem que eu disse que chegaria em 20 minutos, você levantou da mesa e veio até mim com seu andar vagaroso para dizer em tom solene: “Thiagôô, se as minhas fodas durassem os 20 minutos que você diz eu seria um homem feliz…”.
Pois é, Renatão, quem viu você cantar em alemão a “Oração de mãe menininha” não esquecerá jamais. Outra boa sua é a entrevista que deu ao Jô Soares. Divertidíssima e tão lúcida sobre uma situação de grande delicadeza, a esquizofrenia que você tratava.
Em 2009, quando montei para você o seu blog – Blog do Renatão – me senti muito feliz por ajudá-lo a manter ativa sua produção intelectual. Você quis desistir, lembra? Dizia que ninguém lia. Eu retruquei que você tinha eu como leitor fiel e você riu. Obviamente você tinha muitos leitores, Renatão. Você é muito admirado. Então, te pergunto, como assim você morreu?
Suas realizações e trajetória no jornalismo são de arrepiar, apesar de você dar importância menor a isso. Foi copidesque da Folha (então Folha da Manhã) aos 18 anos. Esteve na turma que revolucionou o Jornal da Tarde na década de 1960, participou da revista Veja no seu início, quando era uma revista para ser lida com maior entusiasmo. Ganhou prêmio Esso e tudo o mais. Em 1999, quando ingressou na revista Caros Amigos, onde ficou mais de uma década, levado pelo nosso Serjão, você escreveu que era preciso sair do jornalismo para ser jornalista.
De cabeça, lembro de você ter colaborado para o Jornal do Commercio,Carta Capital,Estadão,Revista do Brasil além desses veículos já citados… E quando te perguntaram em 2008 que conselhos você daria para alguém que está começando no jornalismo você me saiu com essa: “1) Abandonar imediatamente a profissão e escolher outra. 2) Se não for possível isso, procurar se estabelecer por conta própria na internet, com patrocínio próprio que não interfira na sua independência. 3) Se isso também não foi possível, procurar manter a dignidade profissional e preparar-se para uma vida de sacrifícios.”
Para sempre
Renatão, guardo com carinho sua mensagem do ano passado, depois de nos desentendermos por uma questão menor, quando você diz, “Saiba que você, entre as pessoas que conheço, é uma das mais queridas”. “Sempre a nossa amizade”, Renatão, como você costumava finalizar ao cantar parabéns para seus amigos. Você vai fazer muita falta.
Essa minha homenagem no NR, blog que você colaborou tantas vezes, é só um carinho a quem tanto quero bem. Seu talento, amizade e grandeza deixa um grande vão nessa selva toda em que vivemos. O jornalista e mestre Carlos Azevedo disse algo muito bonito sobre você no Facebook, Renatão: “O Renato é aquele cara que não morre, que não machuca ninguém, a não ser quem sabe pelo seu imenso rompante amoroso. Lamento muito porque a perda é grande. Uma luz forte que rasgava as trevas da ignorância se apaga. Viva para sempre, Renato, no brilho de seus trabalhos!”. Ao que soubemos seu coração parou na madrugada de domingo. E o meu bate mais forte agora de saudade de você.
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Thiago Domenici, jornalista, editor e coordenador do Nota de Rodapé