O escritor colombiano Gabriel García Márquez morreu nesta quinta-feira (17) por volta de 12h do horário local, aos 87 anos, em sua casa, no México. O autor lutava contra a reincidência de um câncer que atingia seus pulmões, gânglios e fígado. Já bastante debilitado, ele recebia tratamento paliativo em casa.
Vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1982, García Márquez foi um dos principais nomes da literatura latino-americana no século 20. Publicou livros que se tornaram célebres, como “Cem Anos de Solidão” (1967), “Ninguém Escreve ao Coronel” (1961), “Crônica de uma Morte Anunciada” (1981) e “O Amor nos Tempos do Cólera” (1985).
García Márquez fez parte, ao lado do peruano Mario Vargas Llosa, dos argentinos Julio Cortázar e Jorge Luis Borges, do cubano Alejo Carpentier e do mexicano Carlos Fuentes, do movimento literário que ficou conhecido como boom latino-americano.
Os livros do grupo, que alcançaram vasta repercussão na Europa nos anos 1960 e 1970, tinham em comum a experimentação da linguagem, o diálogo com o gênero do realismo mágico, a reflexão sobre os rumos políticos e sociais da América Latina.
O escritor colombiano, porém, por vezes questionou a classificação de “realismo mágico ou fantástico”. “É só realismo. A realidade é que é mágica. Não invento nada. Não há uma linha nos meus livros que não seja realidade. Não tenho imaginação.”
García Márquez nasceu em 6 de março de 1927 em Aracataca, na Colômbia, filho de Gabriel Eligio García e de Luisa Santiaga Márquez. O relacionamento dos pais serviu de mote ao romance “O Amor nos Tempos do Cólera”.
Com dois anos, o escritor foi morar com os avós maternos, responsáveis por incutir no garoto o gosto por contar histórias. O avô, o coronel Nicolás Márquez, veterano da Guerra Civil Colombiana (1899-1902), narrava suas aventuras militares, e a avó Tranquilina Iguarán de Márquez, fábulas e lendas. García Márquez retirou dali, décadas depois, a inspiração para “Cem Anos de Solidão”.
Em uma entrevista de 1996, García Márquez comentou o vínculo entre sua infância e seus livros. “Acho que não existe nem uma linha sequer de todos os livros que escrevi que não tenha relação com minha infância. A infância é a grande fonte de tudo o que escrevo, a nostalgia é a principal matéria-prima do que escrevo”, declarou.
Em 1936, o garoto foi morar em Barranquilla, onde seu pai era proprietário de uma farmácia.
Na adolescência, García Márquez travou contato com outra pessoa fundamental em sua formação: o professor de literatura Carlos Julia Calderón Hermida, que o incentivou a abraçar a carreira literária. O escritor dedicou a ele seu primeiro livro, “O Enterro do Diabo” (1955).
Jornalismo e cinema
Por insistência dos pais, García Márquez iniciou o curso de direito em Bogotá no final dos anos 1940, mas nunca se graduou. Logo enveredou pelo jornalismo, seu ganha-pão durante anos, assumindo uma coluna no jornal “El Universal”.
Em 1954, consagrou-se no jornalismo ao trabalhar como repórter e crítico de cinema de “El Espectador”, passando a exercer influência na vida cultural do país. No final da década tornou-se correspondente na Europa e, mais tarde, na Venezuela e nos Estados Unidos.
“Eu não teria escrito nenhum dos meus livros se não conhecesse as técnicas do jornalismo, tanto na forma de obter e de elaborar a informação como na forma de utilizá-la no relato”, afirmou em 1991.
A carreira literária de García Márquez tomou impulso no começo dos anos 1960, com a publicação de “Ninguém Escreve ao Coronel” (1961) e “O Veneno da Madrugada” (1962).
Obra-prima
Ele morava na Cidade do México quando escreveu sua obra-prima, “Cem Anos de Solidão” (1967). A saga de sucessivas gerações da família Buendía na fictícia aldeia Macondo simbolizava a truculência e os impasses da América Latina.
A exuberância estilística de García Márquez é evidente desde a primeira frase do romance, presença obrigatória em qualquer lista de aberturas romanescas memoráveis: “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo”.
“Cem Anos de Solidão” já vendeu até hoje cerca de 30 milhões de exemplares. Durante o 4º Congresso Internacional da Língua Espanhola, realizado em Cartagena, na Colômbia, em março de 2007, foi considerado a segundo livro mais importante de toda a literatura hispânica, ficando apenas atrás de “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes.
“Durante um longo período, é claro, as coisas não funcionavam para mim – durante quase os primeiros 40 anos da minha vida. Eu tinha problemas financeiros, problemas de trabalho. Não tinha conseguido sucesso como escritor, nem como qualquer outra coisa. Foi um período difícil emocionalmente e psicologicamente; achava que não passava de um extra, que não contava em lugar algum. Depois, com ‘Cem Anos de Solidão’, as coisas se modificaram”, comentou em entrevista de 1988.
Com o sucesso da obra, García Márquez mudou-se para Barcelona (Espanha), onde permaneceu até 1975. Até 1981, dividiu seu tempo entre a Bogotá e a Cidade do México. Depois disso, pediu asilo na Embaixada do México e fixou-se no país. Alegou que abandonou a Colômbia por ver seu nome envolvido na investigação sobre um grupo guerrilheiro.
Política e soco
Esquerdista engajado, meteu-se em uma série de brigas com críticos dos regimes comunistas, entre eles Mario Vargas Llosa, que chegou a chamá-lo de “cortesão de Fidel [Castro]”.
Mas sua briga mais célebre com Vargas Llosa não parece ter tido motivação ideológica. Em 1976, num cinema da Cidade do México, Vargas Llosa aplicou um soco no até então amigo por considerar que “Gabo” havia se insinuado para sua mulher, Patricia.
O episódio só veio a público depois de mais de 30 anos, por conta das revelações de um diplomata. Nunca mais os dois voltaram a se falar.
Em 1982, ao outorgar ao escritor o Nobel de Literatura, a Academia Sueca destacou seu “compromisso político do lado dos pobres e dos fracos contra a opressão nacional e a exploração estrangeira”.
Em 1999, o escritor voltou a sua ocupação inicial, o jornalismo, ao dirigir a revista “Cambio”. No mesmo ano recebeu o diagnóstico de câncer linfático e, graças a um tratamento quimioterápico realizado em Los Angeles, nos Estados Unidos, conseguiu fazer com que a doença entrasse em remissão.
Três anos depois publicou a primeira parte de sua autobiografia, “Viver Para Contar” —o escritor não chegou a concluir o projeto.
García Márquez publicou seu último romance, “Memória de Minhas Putas Tristes”, em 2004.
Nos últimos anos ele fez raras aparições públicas. Em 2009, declarou que iria se aposentar.
Três anos depois, seu irmão Jaime García Márquez confirmou que o escritor sofria de demência senil e que não teria mais condição de escrever.
Internação
No começo deste mês García Márquez foi internado na Cidade do México devido a uma “infecção bronquial”. Recebeu alta cinco dias depois.
García Márquez deixa a mulher, Mercedes, com quem era casado desde 1958, e dois filhos, o artista plástico Gonzalo e o cineasta Rodrigo.