Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

‘Tudo para ele devia soar simples’

A tradutora alemã Dagmar Ploetz diz que o maior trabalho ao verter a obra do escritor colombiano Gabriel García Márquez para o alemão é procurar as formulações mais simples, já que o autor, morto em 17 de abril de 2014, queria que tudo soasse o mais leve possível. Tradutora do autor de língua espanhola desde 1989, Ploetz afirma que se sente como se uma parte sua tivesse morrido junto com o escritor.

Qual é o maior legado de Gabriel García Márquez para a senhora, como tradutora?

Dagmar Ploetz – Eu passei um quarto de século com ele. Com sua linguagem, suas imagens e o seu mundo. Eu me ocupei com seus pontos de vista, que me acompanharam. O sentimento que tenho é como se uma parte de mim morresse também, embora a literatura e as traduções permaneçam.

Qual foi sua primeira impressão ao conhecer García Márquez pessoalmente?

D.P. – Eu só o vi uma vez, durante um almoço, para o qual fui levada de avião a Barcelona, porque a agente dele me dissera que eu tinha que conhecê-lo. Foi há cinco anos. Naquela época, ele me pareceu muito amistoso, paternal e empenhado.

García Márquez facilitava o seu trabalho ou era difícil transferir para o alemão a linguagem dele?

D.P. – A linguagem dele era rica e colorida. Se a pessoa gosta dela e se diverte procurando os termos apropriados, então é fácil e dá prazer. A dificuldade era que ele sempre dizia que tudo devia soar simples. Não só a tradução, mas também o original. Ele próprio trabalhava muito para fazer com que as coisas parecessem mais simples. Conseguir o mesmo na tradução nem sempre é fácil.

Pode descrever essa sua penosa busca pelas palavras simples?

D.P. – Eu pertenço mais aos tradutores intuitivos. Eu espero muito tempo, reflito e experimento novas formulações aqui e ali.

A senhora traduziu diversos escritores latino-americanos para o alemão, incluindo Isabel Allende. O que há de tão especial em García Márquez?

D.P. – Os textos dele soam leves, melódicos e acessíveis. Mas dá para perceber que exigiram muito trabalho. E isso me serviu de inspiração para também aprimorar minha tradução.

Para García Márquez era importante que, através das traduções de seus romances, os leitores na Europa também se interessassem por política ou assuntos latino-americanos?

D.P. – Acho que não era tão importante para ele. Só na coletânea de contos Doce cuentos peregrinos, que eu traduzi, ele descreve as experiências de latino-americanos na Europa e reflete genericamente sobre o assunto. Mas, no discurso que fez ao receber o Prêmio Nobel [em 1982], repreendeu a Europa, que teria esquecido a América Latina. Como jornalista, ele também fez muito para que a situação na América Latina se tornasse conhecida.

A Colômbia decretou três dias de luto nacional. Por que os escritores têm valor tão grande no país?

D.P. – Márquez fez simplesmente muito por seu país. O objetivo dele era reduzir a dependência cultural da região em relação aos Estados Unidos e à Europa. Ele, por exemplo, comprou e reativou uma revista de notícias colombiana. E criou uma fundação para jovens jornalistas da América Latina em Cartagena. Vez por outra participou da política, mesmo nas negociações de paz entre o governo colombiano e os guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias (Farc). García Márquez contribuiu muito com sua literatura para trazer a Colômbia à consciência do mundo, mesmo sem querer isso explicitamente. Além disso, o Prêmio Nobel em 1982 foi algo muito importante para todo o país. Os colombianos o amam por isso, é algo muito importante para a identidade deles.

Então por que ele deixou seu país natal?

D.P. – Era um amor à distância. García Márquez tinha uma casa em Cartagena e, de vez em quando, estava em Bogotá para trabalhar, mas vivia principalmente no México. Ele afirmava que os colombianos não o deixavam em paz, esperavam tudo dele e acreditavam que ele podia corresponder a todas as expectativas. Ele se recusava a se submeter a essas exigências. [Edição Augusto Valente]