Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Gênio do humor preferia os bastidores

Max Nunes sempre foi o gênio de quem o público riu, e riu muito, mas de quem mal se conhecia o rosto. Autor de bordões como “Cala a boca, Ofélia!”, morreu na madrugada desta quarta-feira [11/6], aos 92 anos, em decorrência de complicações após uma queda que lhe valeu a fratura de uma tíbia. Não era avesso aos holofotes, mas preferia entregar suas piadas, algumas das mais clássicas do humor na TV brasileira, a intérpretes como Lúcio Mauro e Jô Soares, para quem mais criou e com quem esteve até o fim, como redator do talk-show.

Humorista que também exercia a profissão de cardiologista, Max estava internado desde o dia 20 de maio no Hospital Samaritano, em Botafogo, no Rio. O velório será hoje [quarta, 11], das 8h às 12h, na Capela 1 do Cemitério São João Batista, em Botafogo, e o enterro está marcado para ocorrer em seguida.

Pense em quadros clássicos do riso nacional e lá estará o dedo dele, criador original de A Grande Família, série depois abraçada por Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, e Paulo Pontes. São de Max Nunes o Primo pobre X Primo rico, com Brandão Filho e Paulo Gracindo, depois reeditado com outros intérpretes, e também Ofélia e Fernandinho, com Lúcio Mauro e Nádia Maria, substituída por Cláudia Rodrigues em versão mais recente. Está tudo no YouTube. Da era do rádio até os anos 1990, pariu tipos atemporais, aptos a serem reeditados a qualquer momento.

Ainda nos anos 1950, Max se dividia entre os plantões no hospital e o texto do Balança Mas Não Cai, ainda na Rádio Nacional, quando viu um dos raros aparelhos de TV do País, no salão de seu barbeiro, e pensou “Quero trabalhar nisso”. FezFolie Brandão, ainda na TV Tupi, com Brandão Filho.

A estreia na Globo foi em 1964, onde, com Haroldo Barbosa, passou a roteirizar e dirigir o humorístico Bairro Feliz (1965), com Paulo Monte, Grande Otelo e Berta Loran. Em 1972, integrou a equipe de redação do Faça Humor, Não Faça Guerra, ao lado de Jô Soares. Vieram Satiricom (1973), Planeta dos Homens (1976) e Viva o Gordo (1981), com Jô Soares. Entre os tipos criados para o antigo programa de esquetes de Jô, tinha especial apreço por Norminha, o Reizinho, o Capitão Gay e o Corrupto, todos dignos de risos entre a audiência do canal Viva, que recentemente vinha reprisando o programa recentemente.

Em 1988 seguiu com Jô para o SBT, onde lançou Veja o Gordo, outro título de esquetes, e o talk show Jô Soares Onze e Meia, transferido para a Globo, juntamente com ele e o então quinteto de músicos, em 2000.

“Avaliação injusta”

Divertido não só nos scripts, mas também nas conversas do dia a dia, Max Nunes esteve entre os 50 profissionais da TV brasileira selecionados por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, em 2000, para dar seu depoimento no livro 50/50, por ocasião do cinquentenário do veículo. “Lembro um fato engraçado: o Chacrinha anunciando um mágico seu amigo. Assim que o mágico pisou no palco, Chacrinha deu-lhe um abraço tão forte que o mágico imediatamente falou ao ouvido dele: Mataste o pombinho.”

No depoimento, debochou do período da repressão militar no Brasil, com fina ironia. “Certa vez fui procurado por um censor que, em nome da Petrobrás, foi pedir que parássemos de criticar a empresa. Disse que já devia ter pedido isso há mais tempo, mas que não conseguira me encontrar. Expliquei ao censor que isso me preocupava bastante porque, se a Petrobrás não tinha conseguido me encontrar, eu que tinha telefone, residência fixa e local de trabalho conhecido, como é que a Petrobrás queria achar petróleo no fundo do mar?”

Nascido Max Newton Figueiredo Pereira Nunes em 17 de abril de 1922, no bairro de Vila Isabel, no Rio de Janeiro, herdou a veia artística do pai, Lauro Nunes, jornalista e roteirista de esquetes para a Rádio Mayrink Veiga. Formou-se em medicina em 1948 e se especializou em cardiologia.

Em entrevista concedida ao Estado em agosto de 2003, contou que exerceu a medicina até o fim dos anos 1980. “Até tentaram me fazer interpretar, mas nunca quis porque sempre tive muitas coisas para fazer. Tinha hospital, plantão e eu podia escrever nas horas de folga”, contou ao Caderno 2.

Vizinho de Noel Rosa, foi incentivado a cantar e chegou a participar de programas de rádio. Aos 48 anos, compôs, ao lado de Laércio Alves, um clássico de carnavais, o hit Bandeira Branca, gravado inicialmente por Dalva de Oliveira, ainda nos anos 1970. Passou pelas rádios Tupi e Nacional. No teatro, produziu 36 peças, todas fruto de seu trabalho pra a Rádio Nacional.

Max lamentava, já nos anos 2000, que a “inteligência” no humor tivesse sido “substituída pelo palavrão”. “As piadas passaram a ser do umbigo para baixo”, disse na época.

Mas, veterano da TV, bem sabia defender seu conteúdo e história e assim o fez em seu relato ao livro 50/50: “Muita gente acha que a nossa televisão não é muito boa, avaliação preconceituosa e injusta, num país em que o dinheiro não é muito bom, onde o ensino não é muito bom, onde até o governo não é muito bom, porque a TV, que é uma das nossas melhores coisas, teria que ser maravilhosa?”

******

Cristina Padiglione, do Estado de S.Paulo