Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Adeus a João Ubaldo

Dizem que o baiano nunca tem pressa, mas, para a escritora Nélida Piñón, João Ubaldo Ribeiro foi embora antes do tempo. “Morreu moço, tendo tanto ainda a dar à língua do Brasil”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo. O escritor se sentiu mal em sua casa, na zona sul do Rio de Janeiro, e faleceu às 5 da madrugada por uma embolia pulmonar,informa a Academia Brasileira de Letras (ABL). O membro que ocupava a cadeira 34 da ABL há 20 anos é autor de obras como Sargento GetúlioViva o Povo Brasileiro e A Casa dos Budas Ditosos, e também escreveu inúmeras colunas no jornal carioca O Globo e em O Estado de São Paulo, além de contos e ensaios. A ABL decretou três dias de luto por sua morte.

O romancista, que publicou seu primeiro livro aos 27 anos com ajuda do amigo de faculdade e cineasta Glauber Rocha, foi um colecionador de prêmios nacionais e internacionais. Entre eles estão duas edições do Jabuti (1972 e 1985) e um Camões (2008), um dos mais importantes da língua portuguesa.

Antes de ser um célebre e um “quase clássico” escritor, já que se negava a admitir que sua maior obra, Viva o Povo Brasileiro, fosse memorável por sua atualidade e difusão, Ribeiro nasceu e cresceu na tranquila ilha de Itaparica, em frente ao litoral de Salvador, na Bahia. Seu pai, segundo relatou em entrevistas à Globo na década de 1980, fez com que sua formação intelectual fosse “muito rigorosa”. Felizmente, a rigidez do pai acabou precipitando sua paixão pelos livros e, posteriormente, pela escritura. Em uma entrevista ao Estado de São Paulo, contou: “Eu vivia cercado de dicionários, tamanho o fascínio que tenho pela palavra”. E confessou que chegou a criar contos somente para encaixar uma palavra descoberta, algo que afetou o destino de personagens.

Essa parte de sua biografia, assim como seu livro mais famoso, foram o tema de um samba enredo apresentado na Sapucaí pela escola Império da Tijuca, em 1987. Também ganharam vida outras obras suas, como oDiário do Farol, que teve uma adaptação para o teatro em 2011, eSargento Getúlio, um longa-metragem estrelado por Lima Duarte em 1983 no cinema.

Mais tempo

Como jornalista, Ribeiro, que também estudou Direito sem nunca exercer a profissão, deixava de lado o principal traço que o identificava como baiano além do sotaque: a tranquilidade. Em seus textos incendiários, distantes de sua literatura harmoniosa de bonitas palavras, foi um férreo contestador do Governo, tanto do PT quanto do PSDB. Foi especialmente duro com os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Suas críticas vinham com a propriedade de quem era, além de um intelectual de referência, também mestre em Administração Pública com ênfase em Ciência Política pela Universidade da Califórnia do Sul (USC).

Sua voz grave e seu bigode talvez impusessem respeito, mas seu sorriso e sua própria modéstia o fez reconhecer publicamente, em várias ocasiões, que não acreditava que tivesse “cara de escritor”. Simples e simpático, o intelectual vivia de bermuda e chinelo e, às vezes, usava a camiseta do Vitória, seu time do coração. Assim como Jorge Amado, também baiano, falava em seus textos daquilo que era o cotidiano de ambos, do que viam e conheciam: a alma, a realidade e o caráter do brasileiro, incluindo “todas as suas contrariedades”. “Eu escrevo sobre a minha terra, que é aquilo que conheço”, costumava falar. Em outra ocasião, chegou a dizer ao Estado que era o “rei da biografia”, já que contava histórias de pessoas comuns, daquilo que via e ouvia pela rua ou praia. A repercussão de sua morte fez com que muitos leitores brasileiros compartilhassem nas redes sociais trechos de narrativas marcantes, frases célebres e fotos de seus livros.

Enquanto muitos escritores dizem que o mais difícil do ofício de escrever é ter a ideia para a história ou a tal da inspiração, Ribeiro garantia que isso, para ele, não era um problema. Durante uma entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 2012, expôs o seu grande dilema: “Eu só preciso de tempo para escrever”.