Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um autor barroco

Baiano por nascimento, e cidadão carioca por afinidade com a cidade, particularmente com o Leblon, onde manteve seu posto avançado de observação sobre o cotidiano do Rio, João Ubaldo Ribeiro começou a escrever no GLOBO como colunista fixo em 1993, completando 21 anos de colaboração, até a morte, na madrugada de 18 de julho de 2014.

A estreia deu-se na edição dominical de 4 de abril. Logo na primeira crônica (“Votemos, plebiscitemos”), o escritor abordou um de seus temas recorrentes nesta longa trajetória nas páginas dos jornais – as idiossincrasias da política brasileira, no caso o plebiscito sobre a forma e o sistema de governo no país, convocado para o dia 21 daquele mês, através de emenda à Constituição.

Com sua fina ironia, e uma precisão nas palavras que sempre foi sua marca, João Ubaldo abria a colaboração ao jornal desta forma: “A coisa mais exasperante em relação a esse plebiscito desmiolado é termos de nos ocupar dele, apesar de sabermos que não passa de mais um dos muitos besteiróis institucionais com que a nação é empulhada desde o início de sua existência”. Na veia.

De seu posto avançado no Leblon, ele marcou presença semanalmente no GLOBO com críticas como essa ou ao pragmatismo da realpolitk, ou ainda com textos em que se expressava pela boca de personagens como o sempre presente Zecamunista, e também com referências constantes a sua amada Itaparica (BA).

Língua bonita

Em 2007, João Ubaldo teve uma depressão e uma arritmia cardíaca que o fizeram baixar à enfermaria. Mesmo assim, não perdeu a verve, a ironia e o humor ao falar dos problemas de saúde, que o levaram “à constrangedora situação de ir dormir vivo e acordar morto” – como ironizou em crônica no GLOBO, logo após deixar a internação no Hospital da Bahia, em Salvador. Talvez não por acaso, morte e velhice foram temas importantes em “O albatroz azul”, romance que lançou em 2009. Em reportagem do Segundo Caderno de 2 de outubro desse ano, sobre o lançamento do livro, o imortal João Ubaldo (ele foi eleito para a cadeira 34 da Academia Brasileira de Letras em outubro de 93) admitiu a influência desses temas na nova obra:

– A gente começa a ficar mortal por volta dos 40 anos. Antes disso, a morte é uma coisa que acontece com os outros. Até que você começa a perder referências familiares. Morre o Chacrinha, o Flávio Cavalcanti… E certamente o espírito da grande ceifadeira assusta. E é bem possível que o fato de eu ter (na época) 68 e não ser mais nenê tenha me influenciado.

Rigoroso com o significado de cada palavra que empregava nos textos, que burilava com a busca da perfeição semelhante à de um ourives, o poliglota João Ubaldo era um apaixonado pela língua do país, e a defendia com intransigência.

– Gosto da língua portuguesa. Acho que ela está perdendo recursos devido à nossa ignorância, mas ainda é uma língua bonita, flexível, expressiva, rica em nuances. E junto a isso eu sou, digamos que por origem, um autor barroco. Alguns dos meus prosadores preferidos, como Padre Vieira, são barrocos. Essa minha linguagem, sei lá, convoluta, eu acho que é meio abarrocada.