Instantâneo, autoria provável do Duayer, fotógrafo, depois cartunista. Bom nas duas posições. Circa 1972. Eu, dezoito anos. Meu pai, portanto, 48. Menos de cinquenta. Doze anos mais novo do que eu hoje. Foto-madeleine. Ela me transporta no tempo, de forma inexorável.
Vamos lá. O que foi fotografado? Eu, aos dezoito anos, tendo a meu lado, à esquerda, meu pai e, à direita (direita?), o Henfil. Neste momento, eu e Henfil, Henfil e eu, éramos muito, muito próximos. Fins de semana passados na casa do meu avô, em Petrópolis, nós com as respectivas namoradas.
Ladeando meu pai, Caulos, que como Henfil era exatos dez anos mais velho do que eu, assim como Ziraldo era dez anos mais velho do que Henfil, e meu pai, dez anos mais velho que Ziraldo.
Na época, negão-gigante, hoje afrodescendente (com altura avantajada ou coisa que o valha), este era Luiz Rosa. Era, pois já morreu. Foi o modelo da capa do livro “Cabeça de Negro”, de Paulo Francis, cuja direção de arte me coube, com a foto do Milton Montenegro feita na própria redação do “Pasquim”.
Luiz era um brutamontes incapaz de matar uma mosca; se alguém o fizesse na sua frente, choraria por ela.
O que mais está na foto?
Tudo. Tudo. Tudo. Uma exuberante alegria e descontração do grupo. Um orgulho mútuo, patente. Um prazer irreproduzível, presente em todos, pelo fato de estarem ali. Na patota. A mão afetuosa e carinhosa de Ivan Lessa sobre o ombro de seu admirado-admirador e amigo, Sérgio Augusto. Corda e caçamba. Um olhar meloso de tanta admiração do Ivan para o Jaguar. E vice-versa.
Felizes!
Meu pai observando o que se passava abaixo dele. Com indisfarçável satisfação. Henfil de olhos fechados para contestar a alegria (senão não seria Henfil) que compartilhava, adorava a zorra, mas sem admitir. Com o país naquela situação? Seriedade, companheiros. Infelizmente o país continua na mesma situação e Henfil se foi.
Ziraldo, sentado, descontraidamente, na certeza de estar aos pés do venerado amigo e mentor, meu pai. Meio que pai dele, irmão mais velho ou o mais próximo disso. Mais próximo mesmo.
E uma certeza absoluta. Nítida na foto. A de que aquela alegria, palpitante na foto, não havia se iniciado ali. Certamente vínhamos, não todos, não os mesmos sempre, ao contrário, misturados, chegados na redação em grupo. Diversos, mas variáveis. Nunca constantes. Jamais desacompanhados.
Ziraldo, Caulos e eu, Henfil e eu. Meu pai, Ziraldo e eu, Ivan, meu pai, Jaguar e Sérgio, Henfil, meu pai e Jaguar, e todos as outras combinações possíveis, tentem as variáveis da análise combinatória e vejam onde isso vai parar.
E, também e sobretudo, a certeza de que a alegria não parava ali, mas continuava. Sempre. Sem hora ou local para terminar. Roda viva? Patota. Patota viva. Como nunca mais.
A festa continuava, na casa do Henfil, do Caulos, do Ziraldo, do Ivan, do meu pai, no bar, no botequim e, sobretudo, na redação. Assim como a conversa, as ideias, o riso, a discussão do fato, o barato, o bicho, a fossa, a Anta de Tênis, o governo, o “top-top”, o “sifu”, o “mifu”, o “tifu”, o “putz”. Tudo moto contínuo.
O Putz? Putzgrila, como éramos felizes!!! E curtíamos…
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Ivan Fernandes, 60, é jornalista. O texto aqui publicado sairá no jornal “Daily Míllôr”, distribuído de 30/7 a 3/8 em Paraty, na Casa da Cultura, na exposição “Millôr, 90 Anos de Nós Mesmos”, com curadoria de Manya Millen, Hugo Sukman e Paulo Werneck