Um velho contador de histórias do sertão brasileiro deixará de espalhar seus relatos fabulosamente reais pelo país, que – de sua ponta mais erudita à mais popular – sofre com a perda de mais um grande intelectual em menos de uma semana.
Morreu nesta quarta-feira, o escritor e dramaturgo Ariano Suassuna, aos 87 anos, em decorrência de um AVC hemorrágico que resultou em uma parada cardíaca fatal. O paraibano, radicado em Recife há mais de 70 anos, estava internado no Real Hospital Português, um dos principais da capital pernambucana, desde segunda-feira, quando foi submetido a uma cirurgia cerebral de emergência.
Célebre principalmente por obras de teatro e narrativas literárias que exaltam a cultura popular e, ao mesmo tempo, reverenciam formas eruditas típicas, Suassuna era um exemplo de resistência na defesa da autêntica cultura brasileira. O Movimento Armorial, do qual foi idealizador e que propõe a criação de uma arte erudita com elementos da cultura popular do Nordeste brasileiro, era um dos projetos que mais evidenciava sua perfeita fusão de rigor e raiz.
Foi com a peça O auto da compadecida, uma combinação de três folhetos de cordel escrita em 1955 e levada ao cinema e à televisão décadas mais tarde, que ele conquistou ampla fama popular, mas sua vasta produção inclui romances, novelas e quase duas dezenas de obras teatrais que revelam, desde sempre, sua dedicação à alma brasileira.
Imortal da Academia Brasileira de Letras desde 1990, Suassuna foi um representante do que se podia chamar de realismo mágico sertanejo, como atestam um de seus livros que, segundo o autor, eram a manifestação mais acabada e completa de sua literatura: Romance d’a Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-volta, de 1972. Nele, há uma representação de mundos onde diferentes tradições literárias se entrelaçam para fazer surgir as raízes medievais da organização social do sertão, numa representação da própria fusão nacional de culturas.
“Pacto com Deus”
Também na década de 90, Suassuna começou a rodar o país para ministrar suas famosas “aulas-espetáculos“, em que dava palestras, fazia concertos e apresentava um espetáculo de dança. Sua aparição mais recente foi em Salvador, no último dia 16, para ministrar uma dessas aulas, que eram sua maneira de lutar contra o que ele chamava de “lixo cultural imposto” por outros países, como os Estados Unidos.
Deixa a esposa, cinco filhos e 15 netos. Não falta dizer que era totalmente ativo, apesar da idade avançada. Em meio ao seu engajamento na campanha do recifense Eduardo Campos, candidato do PSB às eleições presidenciais de outubro, ele andava às voltas com um megarromance no qual investiu seus últimos 33 anos de trabalho. À Folha de S. Paulo, ele afirmou em uma entrevista de dezembro do ano passado que se chamaria A Ilumiara e revelou versos que encerrariam seus capítulos.
Para conseguir terminá-lo, ele afirmou ter feito um “pacto com Deus”, que a todos nos deixa estupefatos. Como pôde Ele não cumprir o combinado? Deus, ao contrário do que dizem, não deve ser brasileiro.
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Camila Moraes, do El País