Ben Bradlee, que morreu na terça-feira [21/10] aos 93 anos, foi o último colosso da era dourada do jornalismo norte-americano. Era, em muitos aspectos, um jornalista de outra época.
Pela segurança que sempre exibiu em si mesmo e em seu meio: seu reinado no The Washington Post, de 1965 a 1991, coincidiu com a hegemonia da imprensa de qualidade, que marcava a agenda política, acumulava uma autoridade inquestionável e até podia provocar a renúncia de um presidente, como aconteceu com Richard Nixon pelo escândalo de Watergate. Nem a imprensa vivia permanentemente no divã da psicanálise nem existiam as redes sociais, nem blogs, nem novos meios que questionassem segundo a segundo se as matérias publicadas pelo The New York Times ou o Post são fit to print, ou seja, dignas de serem impressas.
Ben Bradlee (1921-2014) era de outra época, também, em sua relação com o poder. É difícil imaginar hoje um diretor de um meio de comunicação tão próximo a um presidente como foi Bradlee com seu amigo John F. Kennedy, e é difícil imaginar os diretores do Postou do Times mandando o Procurador da República ao inferno, como fez Bradlee depois que um repórter do Post recebeu uma citação judicial.
Hoje os diretores de imprensa nos Estados Unidos – homens e mulheres anônimos que poucos, mesmo no mundo da imprensa e da política, reconheceriam se cruzassem com eles na rua – não reinam na vida social do Upper West Side ou de Georgetown, como reinaram durante décadas Bradlee e sua cúmplice e editora, Katharine Graham.
Imagem arranhada
Nem o Post significa o mesmo que naquela época na capital norte-americana – Politico e outros meios roubaram o monopólio que o jornal tinha da informação política – nem as festas do bairro de Georgetown, como tantas vezes lamentou a viúva de Bradlee, Sally Quinn, são as mesmas.
E, no entanto, Ben Bradlee não é um jornalista do passado. Bradlee marcou o padrão-ouro do que significa dirigir um jornal. Desde então, seja para imitá-lo, inspirar-se ou diferenciar-se dele, é raro o diretor que não se compare a este modelo: o homem de Watergate, o que converteu um jornal local em uma referência mundial, o que eletrizava a redação com sua mera presença.
Quando volta o jornalismo ativista – agora reclamar objetividade, mesmo imparcialidade e colocar os preconceitos no armário parece às vezes algo anacrônico –, a lição de Bradlee é estimulante. Bradlee tinha poucas opiniões e ideias. Nunca quis dar lição. Não era de esquerda nem de direita, muito pelo contrário. Era guiado pela busca da notícia.
“A essência do jornalismo é a superficialidade”, disse em uma entrevista a EL PAÍS, citando um mestre dele (a frase lembra a de outro jornalista do século XX, Josep Pla: “Eu não acredito em profundidades. O mais profundo que um homem possui é sua superfície”).
E outra lição, talvez tão importante quanto a de seu grande êxito, o Watergate: seu reverso, o escândalo de Janet Cooke, a jornalista que em 1980 publicou no The Washington Post uma reportagem sobre um menino viciado em heroína. Cooke ganhou o Pulitzer pela reportagem. Depois admitiu que era ficção. Bradlee ofereceu sua renúncia aos Graham, os donos do Post. E mandou que o ombudsman fizesse uma investigação a fundo sobre o erro que arranhou sua imagem. Em seu maior fracasso, Bradlee deu outra lição de primeira ordem.
Seu jornalismo, mesmo fora das circunstâncias de seu tempo, serve para hoje e para sempre.
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Marc Bassets, do El País