Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um herói da redação de um grande jornal americano

Nos próximos dias você ouvirá centenas de pessoas se expressando com tristeza sobre Ben Bradlee. Pessoas que trabalham ou trabalharam em The Washington Post. Gostaria de dizer por que todos nós amamos tanto Ben Bradlee e adoramos trabalhar para ele e com ele – e por que achávamos que ele podia tornar qualquer coisa possível.

Quando minha mãe, Katharine Graham, escolheu Ben para o posto de editor-chefe do jornal em 1965 e de editor executivo em 1968 ambos nutriam enormes ambições para o jornal. A ambição de Ben ensinou a ele uma coisa: que ele tinha de trabalhar com afinco. “Sabia que precisaria de milhares de horas extras para começar a saber o que fazer.” Ele havia arcado com grandes responsabilidades no início da vida (serviu como oficial da Marinha num destróier no Pacífico na 2.ª Guerra) e, como escreveu mais tarde, “ansiava por isso”.

À medida que Ben se integrava, Kate Graham observava. Jamais segura de si mesma e propensa a duvidar do seu julgamento, ela sabia contudo que havia feito a escolha perfeita. “Ele está lá à noite e nos fins de semana”, dizia às pessoas à sua volta. “E vocês precisam ver o pessoal que ele está contratando”.

Era nisso que Ben estava concentrado: contratações. “Havia tanta coisa que eu desconhecia – sobre gráficas, salas de diagramação, orçamentos, de modo que decidi me concentrar em algo que sabia: bons jornalistas”, escreveu ele.

Apenas o começo

Eles eram bons e irredutíveis. Os primeiros que ele contratou foram Richard Harwood, que perdeu um pulmão na invasão de Tarawa em 1943; Ward Just, que depois seria ferido no Vietnã. David Broder foi uma outra contratação importante.

Bradlee perambulava pelo prédio, encorajando o pessoal nos departamentos de produção, publicidade e redação. Ele queria fazer tudo muito melhor – e na hora. Nem sempre estava certo, mas ajudou Kay a entender bem mais onde estavam os problemas do jornal.

Foi uma preparação perfeita para o momento que se tornou um divisor de águas do jornal: a decisão, adotada em 1971, de publicar as reportagens sobre os Documentos do Pentágono. The New York Times havia passado meses preparando uma série de reportagens sobre esses documentos altamente secretos, mas um tribunal federal suspendeu a publicação depois da primeira divulgação. Um dia depois de a ordem judicial ser expedida, Daniel Ellsberg passou os documentos para o Post. Bradlee e sua equipe trabalharam incansavelmente para publicar a matéria no dia seguinte. Mas os advogados do jornal se opuseram. Ben sabia qual seria o próximo passo, o único que daria a Kate a confiança que precisava para publicar o texto. Sem autorização, ele chamou o excelente advogado Edward Bennet Williams. Eles se conheceram quando Ben ainda era repórter do Post. Mesmo diante das apostas altíssimas (entre outas coisas, a Washington Post Company abriria seu capital naquela semana e uma nítida ameaça tinha sido feita com relação à licença da nossa emissora de TV), Kate aceitou publicar a reportagem. Dias depois a Suprema Corte decidiu que os jornais não deviam ser impedidos de publicar o caso.

Esse caso engendrou uma grande confiança entre Ben e Kate. Quando as reportagens sobre o Watergate foram publicadas em seguida, o apoio ao trabalho da redação foi categórico. Como disse Kate mais tarde, “ele estabeleceu as regras fundamentais – dinamismo e dinamismo – não tão sutilmente, exigindo que todos dessem um passo a mais, indo implacavelmente atrás da história apesar das acusações contra nós e de uma campanha coordenada de intimidação”.

Comumente Ben informava antecipadamente a Kate quando uma importante matéria seria publicada. No caso do Watergate ele não o fez. Quando o jornalista Carl Bernstein telefonou ao secretário da Justiça John Mitchell para perguntar sobre o seu controle de um fundo secreto usado para reunir informações sobre os democratas, Mitchell explodiu. “Kate Graham vai se dar muito mal se isso for publicado.” Ben não estava por perto para falar com sua editora. Depois da publicação da reportagem, disse a ela: “Era uma matéria boa demais para checar com você, Katharine”.

Por meio das grandes reportagens e outras menos importantes – os Documentos do Pentágono e o Watergate foram apenas o começo – aqueles inflexíveis repórteres da equipe de Ben entenderam que estavam trabalhando para alguém genial. Você pode seguramente chamar a equipe da redação do Post de obstinada. Eram homens e mulheres que não tinham heróis. Mas ele era o seu herói.

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Donald Graham é executivo da Graham Holdings Company e do Facebook