Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Pai do videogame doméstico morre aos 92

Ele inventou a caixa marrom, apelido dado ao Magnavox Odyssey, primeiro console doméstico a ser lançado no mercado, em 1972. No sábado passado, Ralph Baer (Rodalben, Alemanha, 1922) morreu aos 92 anos em sua casa, em Manchester (New Hampshire, EUA). De origem judaica, fugiu com a família da Alemanha nazista para os Estados Unidos, em 1938, e foi o primeiro a fazer da televisão um centro de entretenimento interativo.

Antes de descobrir as delícias das diversões eletrônicas, serviu ao exército do EUA. Formou-se em 1940 como técnico de rádio, e três anos depois foi enviado para a frente da II Guerra Mundial. Seu destino foi Londres, numa unidade de inteligência militar. Ao final do conflito, de volta à vida civil, passa a trabalhar na empresa Sanders Associates, parte do incipiente setor tecnológico da época. Após anos como assistente, convence seus superiores a realizar uma ideia. Em 1966, mostra o primeiro protótipo da sua brown box, a caixa marrom. Não convenceu os patrões sobre o potencial da invenção e mudou de empresa. A Sanders se especializava em tecnologia militar. Embora seu cotidiano fosse ocupado na criação de equipamentos para salas de cirurgia, alto-falantes e placas com circuitos integrados, Baer percebeu que os 40 milhões de televisores dos EUA representavam um mercado interessante para a sua ideia.

Em 1972, a Magnavox, seu novo empregador, licenciou o primeiro console de videogame. Não tinha nada a ver com o que hoje se entende como tal. Tratava-se de um aparelho robusto, com uma ranhura para introduzir os cartões que continham o software de cada jogo. Esse modelo chegou a contar com um catálogo de 27 títulos. O console, custando a partir de 100 dólares (cerca de 1.500 reais, em valores atualizados), vendeu mais de 100.000 unidades.

Um dos jogos mais bem-sucedidos era uma simulação de tênis, um protótipo do já mítico Pong do Atari, em cujo desenvolvimento trabalharam Steve Jobs e Steve Wozniak, quando eram apenas dois amigos que precisavam de dinheiro para realizar um sonho: criar os computadores Macintosh. Baer é considerado o precursor dos jogos de temática esportiva, com um arcaico futebol, o hóquei supostamente sobre gelo, o handebol e o supracitado tênis. As diferenças entre os esportes e a sua mecânica exigiam certa abstração, pois a imagem era em preto e branco, com notável lentidão e pixels de tamanho considerável.

Em sua curiosidade por explorar novas formas de interação digital, Baer criou também o primeiro simulador de caça. O Odyssey já contava com uma pistola de luz que criava a ilusão de caçar patos no televisor. Dez anos depois, os modelos Master System, da Sega, e Famicom, da Nintendo, relançavam essa ideia.

Sua capacidade criativa o levou a desenvolver o primeiro passatempo mental que reunia eletrônica, programação e habilidade para recordar. O Genius, popular brinquedo com quatro botões em que é preciso repetir uma sequência de luzes, cores e sons, foi fruto da imaginação de Bauer, embora tenha sido comercializado pela fábrica de brinquedos MB nos EUA e na Europa (e pela Estrela no Brasil).

Bauer voltou para a Sanders, onde se aposentou em 1987. Disse adeus à indústria que ele fundou e viu decolar. A hegemonia da Magnavox durou apenas cinco anos, até que o Atari lançou seu modelo 2600. Inventor de uma categoria de produto que hoje rivaliza com o cinema em termos de faturamento, ele perdeu a batalha entre o seu país de adoção e o Japão. A sucessora do Atari foi a Nintendo, uma centenária empresa dedicada à fabricação de baralhos, à qual se somou depois a Sega, também japonesa. Na geração seguinte apareceram Sony e Microsoft – esta sim norte-americana. Desde então, a concorrência é constante, entre duas filosofias muito nítidas. Enquanto no Ocidente triunfam os jogos mais competitivos, voltados para a ação, na Ásia agradam as mecânicas repetitivas, mais tranquilas.

Ao longo de sua vida, registrou 50 patentes nos EUA e mais de 100 em todo o mundo. Sua última aparição pública foi em 2006, quando decidiu doar seus protótipos e a documentação dos inventos ao instituto cultural Smithsonian de Washington. O então presidente George W. Bush o condecorou com a Medalha Nacional da Ciência e Tecnologia por sua contribuição ao setor.

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Os “filhos” choram o “pai”

Á.L. Sucasas

Agora que os criadores dos games começam a ser visíveis – e até midiáticos, no caso de estrelas como David Cage, Phil Fish, Ken Levine ou Jonathan Blow –, a morte do pai de todos eles motiva homenagens dos seus filhos nas redes sociais.

Ken Levine, criador do Bioshock, despede-se assim: “Conheci Ralph Baer uma vez na Video Games Live. Parecia muito orgulhoso do que havia obtido. Fico feliz de que tenha podido ver como [o setor dos games] cresceu”. Tim Schafer, um dos criadores do Monkey Island e gênio da Lucas Arts, foi mais breve: “RIP Ralph Baer. Obrigado por tudo.”

Na Espanha também foi lembrado com carinho. Raúl Rubio, chefe da empresa Tequila Works, que trabalha em um dos jogos mais esperados do PlayStation 4 (Rime), afirma: “Ralph Baer foi um pioneiro. Sem seu esforço e curiosidade não estaríamos aqui. Obrigado, Mr. Baer.” Iván Lobo, presidente da Academia de Artes e Ciências Interativas e do Gamelab, salienta a importância que teve tantas vezes o gênio imigrante exilado: “De 1,8 bilhão de pessoas que jogam videogames hoje, poucas sabem quem ele é. E não vão parar para pensar no que teria acontecido se Baer, que precisou fugir com sua família judia da Alemanha, não tivesse tido uma segunda oportunidade na América. Parece-me relevante que uma pessoa que num dia está à beira da morte acabe depois alterando o mundo em que vivemos.”

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Rosa Jiménez Cano, do El País, em San Francisco