Conheci Armênio Guedes como “Júlio”, eu jovem adolescente filho de exilado, ele cercado da áurea e da mítica imagem de “apparatich” do Partidão. Era em Paris, onde estava exilada uma grande parte da situação e da oposição de hoje, todos unidos pela redemocratização do nosso país.
Tempos antigos de causas maiores.
Armênio é o último representante dessa geração que viveu o começo e a travessia dos períodos de lutas claras, das necessárias e heroicas decisões de vida ou de morte onde a emoção coincidia exatamente com a razão. Dizem que era mais fácil então pela simplicidade. Não era. Nunca foi e está sendo menos ainda.
Já naquela época, Armênio entendia que por detrás do preto e do branco, do vermelho da outra bandeira, das dicotomias reconfortantes com suas certezas absolutas, havia nuances. Cores pastel, tonalidades e pequenas dúvidas, o indispensável ingrediente da democracia.
Perguntas que sempre levaram Armênio a questionar o argumento autoritário e seus proponentes, quaisquer que fossem. Sem violência jamais, sempre com a vontade de convencer o outro, de construir mais consenso. Perguntas insidiosas que talvez o prejudicaram mas o tornaram a quintessência do democrata militante, livre pensador mas combatente consequente, cético mas não pusilânime, “comunista avulso” como ele dizia.
E sobretudo brasileiro, amante do nosso país, acreditando nele e enxergando sempre nossos progressos, sem idolatria mas tampouco sem pessimismo.
Na minha ingenuidade, antes de encontrá-lo em pessoa, imaginava-o pela lenda como o revolucionário envolto na capa de couro preto, fumando charutos imensos e carregando sua Kalachnikov escondida.
Que bela surpresa, quando meu pai o apresentou, foi descobri-lo sem esses sinais de caricatura, simples, mas forte, tão humano, sorridente com seus olhos infinitamente azuis transparentes e sua fala mansa de baiano do Rio de Janeiro. Com o tempo, os laços se estreitaram, as conversas fluíram sobre política, história, sociedade e muito futebol. Nasceu a amizade e acabei ganhando um segundo pai.
As coisas boas da vida têm prazo, sabemos disso, mas nunca estamos na verdade completamente preparados. Até breve Armênio. Descanse, pois você merece.
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Luiz Awazu Pereira é diretor de Política Econômica e Assuntos Internacionais do Banco Central