Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A face do jornalismo investigativo alemão

Ligar a TV às 21h, sempre às terças-feiras, era um ritual de todos os amantes de reportagens resultantes de pesquisas igualmente teimosas e meticulosas, e de um apresentador perfeito para esse formato de programa. Klaus Bednarz, olhar sisudo, voz terna mas firme, como âncora e editor-chefe deu ao programa Monitor a sua assinatura. Ele foi a face do jornalismo investigativo alemão, independente da pessoa ou do cargo que ocupava e da relevância das denúncias. O ex-chanceler Helmut Kohl, na época da chamada “República de Bonn”, esteve sob a permanente mira do jornalista.

Com ele à frente da redação, Monitor se tornou líder de audiência e Klaus, como carinhosamente chamado pelos colegas, foi sendo premiado ao longo da carreira. Entre os prêmios, o Adolf-Grimme Preis e a medalha Carl-von-Ossietzky.

Temido pelos políticos

Com seriedade e responsabilidade nas pesquisas das matérias, estas só eram transmitidas quando todo o material havia sido apurado, ou seja, o jornalista nunca se permitia ser leviano com as acusações, todas não meticulosamente comprovadas. Klaus contava com valiosas fontes no governo, em grêmios de diretoria de multinacionais como a BASF, sempre tema em seu programa. Uma safra de fontes que só um jornalista que gozava de total respeito poderia somar ao longo de uma carreira exemplar.

Nascido em Berlim em 1942, ainda durante a Segunda Guerra Mundial, ficou conhecido como “A voz de Moscou” durante os anos em que ali atuou como correspondente, numa época em que a Rússia ainda era percebida como o “lado diabólico do mundo”. Klaus, que era fluente em russo, encontrava pessoas e as entrevistava em suas casas, trazia o povo russo para as telas na TV alemã longe de rótulos e dos preconceitos.

Além de atuante como “correspondente especial” (um upgrade no jargão midiático alemão), entre 1983 e 2001 ele foi o âncora de Monitor e, nessa longa trajetória, se tornou o jornalista mais importante da Alemanha do pós-guerra.

Pouco antes de sua aposentadoria, em 2007, ele como uma equipe mínima e escolhida a dedo partiu para uma expedição que resultaria no DVD Ao leste do sol: do lago Baikal ao Alasca.

A emissora WDR, com sede em Colônia, na região da Renânia do Norte Vestfália, é a mais potente em influência, orçamento e respeitabilidade no conglomerado de emissoras e rádio e TV que se abriga na sigla ARD. Tom Bührow, atual diretor da emissora, expressou seu pesar em nota a imprensa:

“Klaus Bednarz era um jornalista porta-voz do ser humano e do meio ambiente. Ele foi um exemplo de jornalismo crítico e destemido. Sobre sua direção, o Monitor se tornou (e é até hoje) um instrumento-chave no país, que desvendou escândalos e falcatruas, onde ninguém imaginava.

“Klaus Bednarz era um jornalista de corpo e alma, de consciência e percepção aguçadíssimas. Além disso um cara muito bacana. Estamos muito tristes de não tê-lo mais conosco”.

Com sua cara sisuda, assisti-lo era muito mais do que se informar, era uma adorável escola de como deve ser o jornalismo: exato, teimoso e destemido. De acordo com um comunicado da emissora WDR, Klaus Bednarz faleceu na noite de terça-feira (14/4) na cidade de Schwerin, região Mecklemburgo Pomerânia Ocidental (leste do país), onde viveu nos últimos anos (ver aqui).

***

Fátima Lacerda é jornalista freelance, formada em Letras, RJ, e gestão cultural em Berlim, onde está radicada desde 1988; autora do blog “Todos os caminhos levam a Berlim”, no Estadão.com