A mulher e a filha de Yasser Arafat choram a morte do líder palestino. Mulheres estupradas na Costa do Marfim recebem a solidariedade do governo francês. A senhora Maria Madalena é presa com o marido, líder de uma quadrilha de sonegadores no Pará.
Essas notícias estão no jornal O Estado de S.Paulo (13/11). E, em todas, um ponto em comum: os verdadeiros protagonistas das notícias são os homens.
Durante todo o tempo em que Yasser Arafat esteve no hospital de Paris, sua mulher Suha foi notícia. Ficamos sabendo que é francesa, tem uma renda mensal de milhares de dólares e que assumiu o controle da situação no hospital, irritando autoridades e imprensa.
Mas quem é na verdade essa mulher? A imprensa perdeu uma grande oportunidade: falar de uma celebridade – que hoje parece ser a melhor forma de vender jornal e revista – e usar esse conto de fadas com final nada feliz para revelar um pouco sobre a situação das mulheres no mundo islâmico.
O caso da Costa do Marfim é outro bom exemplo de matéria perdida. Segundo o jornal, o estupro é usado como arma pelas gangues locais com tanta freqüência que atingiu dezenas de mulheres ocidentais, entre as quais 30 francesas. O presidente francês, Jacques Chirac, se solidarizou com as vítimas, prometeu todo apoio e a missão da imprensa está cumprida. Registrou o fato. O que não se cogita é discutir o assunto mais seriamente, mostrando que a violência contra mulheres, praticada por maridos e companheiros, é comum em todo lugar. E que as mulheres, por medo ou vergonha, às vezes preferem nem falar na violência, como algumas das vítimas da Costa do Marfim.
Violência, coação ou dever de esposa? Qual será o caso de dona Maria Madalena da matéria policial sobre a quadrilha de sonegadores do Pará? É identificada na foto e nada mais se diz sobre ela. Se ela também agia no esquema, o leitor tem o direito de saber qual era o seu papel. Mas, se é apenas mais ‘uma mulher atrás do grande homem’, seria bom que isso fosse dito com todas as letras.
Notícia para homem, moda para mulher
A sensação que fica, ao ler essas e outras notícias, é que mulher, para ser protagonista, precisa ser muito especial – como é o caso de P. D. James, destaque no Caderno C do Estadão de sábado. A escritora inglesa de romances policiais mereceu uma página inteira para falar de seu trabalho. Mas, isso, só depois de responder à embaraçosa pergunta: a senhora escolheu esse nome para confundir os leitores com iniciais que poderiam ser masculinas? Pergunta estranha, se a gente lembrar que o grande nome do ramo policial é Agatha Christie.
Aí acaba o jornal e vem o suplemento feminino. E, pelo conteúdo, a gente conclui que as mulheres têm chance de virar protagonistas. É só seguir a moda verão, mais uma vez feita para mostrar o corpo nos decotes e fendas. Mas com uma ressalva: só mostrar as costas se elas forem muito bonitas. Já as pernas de fora podem ser usadas sem restrição.
A esperança é que, com o predomínio das mulheres nas redações e na reportagem, isso comece a mudar. E que as notícias, quando pautadas, tenham sempre um olhar feminino, um olhar que vai bem além das tendências de moda, beleza e decoração.
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Jornalista