Olhando para trás nestes doze meses sem Dines, sinto que ele nos deixou justo no momento que tornou-se uma referência obrigatória no debate sobre as notícias falsas (fake news). Seu rigor ético e sua autoridade moral como jornalista são virtudes que, seguramente, levariam a discussão para outros rumos, evitando o bate-boca político ou o tecnicismo de soluções baseadas apenas em bytes e bits.
O fenômeno da desinformação, alicerçada em meias verdades e dados descontextualizados ou falsificados, ocorre num ambiente complexo em que é muito difícil oferecer soluções dicotômicas definitivas, tipo certo ou errado, verdadeiro ou falso. A técnica e os procedimentos classificados como científicos não conseguem eliminar todas as incertezas e dúvidas sobre a credibilidade de notícias.
É num contexto como esse que a ética e a autoridade moral de profissionais como Alberto Dines se transformam em paradigmas capazes de orientar quem está inseguro sobre como avaliar a confiabilidade de uma informação. Dines não era infalível em suas avaliações e decisões editoriais. Ele sempre confiou mais na sua experiência passada do que na tentação da aventura digital, apesar de ter sido um pioneiro no uso da internet como alternativa para o jornalismo impresso.
Mas a respeitabilidade que ele conquistou, mesmo entre seus críticos e desafetos, lhe dava o respaldo moral até para errar. Eu mesmo divergi de Dines em várias ocasiões ao longo dos meus treze anos de Observatório da Imprensa, mas confesso que me sentia mais seguro errando com ele do que acertando sozinho. É essa referência que faz muita falta a vários dos meus colegas numa profissão que está sendo obrigada a rever quase tudo em matéria de rotinas de trabalho, princípios e valores.
Hoje, há muitos visionários e gurus tentando antever o futuro do jornalismo na caótica avalanche de mudanças na qual a profissão foi mergulhada com o surgimento das tecnologias digitais de informação e comunicação (TICs). Eles são essenciais nessa transição de modelos que estamos vivendo, mas a experiência e a autoridade moral de um Dines são tão indispensáveis quanto a compulsão inovadora.
Outra preocupação que Dines transformou em uma quase obsessão foi a necessidade de desenvolver o hábito da leitura crítica, de ler nas entrelinhas e de praticar a desconfiança responsável. São atitudes que estão sendo atropeladas pela frenética busca de sobrevivência entre os veículos de imprensa, grandes e pequenos. Sem leitura crítica, não há como lidar com as notícias falsas de uma forma isenta.
Dines faz muita falta porque, ao longo de sua carreira e principalmente no Observatório da Imprensa, conseguiu um raro equilíbrio entre inovação e cautela na hora de definir estratégias para o exercício do jornalismo. Houve momentos em que ele incentivou a quebra de modelos estabelecidos enquanto noutras ocasiões freou o ímpeto inovador de alguns de seus subordinados.
É justamente essa postura, aparentemente contraditória, que hoje faz tanta falta à profissão no momento que ela assume um protagonismo central na questão das fake news.
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Carlos Castilho é jornalista.