O jornalista Luiz Mario Gazzaneo morreu, na manhã desta sexta-feira (12), no Instituto Nacional de Cardiologia, em Laranjeiras, na Zona Sul do Rio. Gazzaneo tinha 84 anos e estava internado desde a madrugada de segunda-feira (8), quando sofreu um infarto. Ele chegou a passar por duas cirurgias.
Segundo a família, o velório acontece neste sábado (14) a partir das 10h, na capela A do Cemitério São Francisco Xavier, no Caju, Zona Portuária do Rio. À tarde, seu corpo será cremado. Ele era casado com Teresa Otoni e deixa cinco filhos e sete netos.
Gazzaneo nasceu em Maceió, Alagoas, e era filho de uma família italiana radicada em São Paulo. Muito jovem, ligou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1944, em plena ditadura do Estado Novo. No ano seguinte, ele integrou o grupo que organizou o Comício do Pacaembu, quando Luiz Carlos Prestes foi apresentado aos paulistas, após cumprir nove anos de prisão.
Graduado em cinema na Escola de Cinema do Museu de Artes de São Paulo, começou no jornalismo no jornal Notícias de Hoje do Partido Comunista, em São Paulo, como crítico de cinema. Em 1959, veio para o Rio e assumiu a chefia da redação do jornal Novos Rumos (do PC até o dia 1º de abril de 1964, quando o jornal foi invadido e destruído).
Depois de seis anos na clandestinidade, voltou ao jornalismo em 1971, e foi trabalhar com Samuel Wainer na revista Domingo Ilustrado, da Bloch. Passou pelas revistas Fatos e Fotos e Cartaz. Em 1973, ingressou no Jornal do Brasil como redator da Editoria Internacional. No JB foi ainda chefe de reportagem, editor de Cidade e editor executivo. Em 1983, saiu do JB para a agência de notícias do jornal O Globo e ficou na editoria Nacional do jornal até dezembro de 1987.
Trabalhou também como diretor da agência de notícias Nova Press, especializada em notícias do Leste Europeu. Em 1991, deixou a agência para atuar em campanhas eleitorais. De 2000 a 2010, trabalhou no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como Coordenador de Comunicação Social.
Há pouco mais de um mês, em 4 de setembro, Gazzaneo deu uma entrevista em sua casa aos jornalistas Silvia Maia Fonseca e Antonio Carlos Medeiros, falando sobre passagem pelo IBGE, quando já estava pensando em se aposentar.
Ele trabalhou com o então presidente Sergio Besserman, que pessoalmente lhe telefonou para convidá-lo a reestruturar a assessoria de imprensa do instituto, conforme ele próprio conta no vídeo postado no YouTube. Ele continuou no instituto sob a presidência de Eduardo Pereira Nunes.
Silvia Maia Fonseca, da Coordenação de Comunicação Social do IBGE, guardou durante três anos a carta que Gazzaneo escreveu quando, por causa da saúde, precisou se afastar do instituto.
“Como ele nunca saiu de verdade do IBGE, achamos melhor arquivar tudo isso. Mas agora que seu coração, símbolo do amor e da paixão, deixa de bater, não tenho como recusar o pedido do meu querido amigo. Agradeço muito a esse velho coração, que irrigou sangue novo para essa instituição e, principalmente, não se cansou de ter esperança de um dia melhor”, declarou a jornalista.
Na carta, Gazzaneo diz que deixa o IBGE depois de oito anos e meio “feliz com a sensação do dever cumprido”. E agradece a todos “pela compreensão e o apoio ao trabalho, pelo respeito, e porque não dizer, pelo carinho e paciência com que fui tratado”.
“Agora, vou curtir os meus netos e tentar, no que me resta da vida fazer mais alguma coisa para ver realizado o sonho que me alimentou. Beijos e ótimo Censo para todos”, termina ele na carta, assinando o nome pelo qual foi conhecido por gerações de jornalistas: Gazza.
“Grande perda para o IBGE”
A presidente do IBGE, Wasmália Bivar, lamentou a morte do jornalista:
“O jornalista Luiz Mario Gazzaneo veio trabalhar no IBGE a convite de Sérgio Besserman, quando já pensava em se aposentar. Não imaginava que nos anos seguintes iria desenvolver um trabalho que mudaria de forma definitiva a relação da instituição com a imprensa e, consequentemente, ampliar a difusão das informações produzidas para toda a sociedade brasileira. Gazzaneo contribuiu de modo exemplar para tornar mais relevante a expressão: ‘segundo o IBGE…’. É uma grande perda para o IBGE e para a imprensa nacional”, disse Wasmália.
Para ela, o jornalista fez história ao mudar a relação do IBGE com a imprensa.
“Ele transformou o que eram somente dados em informação para sociedade brasileira através do estreitamento do IBGE com a imprensa”, disse.
Já Sérgio Besserman, ex-presidente do IBGE, que convidou Gazzaneo para trabalhar no instituto, lembrou dele como um dos grandes jornalistas da história do Brasil e um personagem da luta pela democracia e justiça social.
“Além de inteligência e coragem, ele tinha algo mais raro: paixão pela verdade. Trabalhar e conviver com ele foi uma das maiores bençãos que a vida me deu. Gazzaneo era paixão, paixão do bem. Ele nos ensinava a aproveitar cada momento da vida, com muita intensidade e honestidade intelectual”, disse ele.
“Profundo vácuo”, diz Roberto Freire
Em nota, o deputado Roberto Freire, presidente nacional do PPS, homenageia Gazzaneo, relembrando seu vasto currículo.
“Extremamente vinculado à cultura italiana, Luiz Mario Gazzaneo traduziu para o português obras clássicas do pensamento social, de que são exemplo Maquiavel, a política e o Estado moderno, de Antonio Gramsci, e Breve história das religiões, de Ambrogio Donini, sendo de destacar que sempre se identificava com as ideias do PC Italiano, sobretudo de seus líderes históricos Gramsci, Togliatti e Berlinguer. Militante e dirigente nacional dedicado, tanto do PCB quanto do PPS, que o sucedeu, em 1992, era considerado um dos expoentes da visão humanista e democrática do socialismo. O Diretório Nacional do PPS, do qual Luiz Mario Gazzaneo foi um dos seus membros destacados, transmite aos seus familiares – viúva, filhos e netos – os seus mais fraternos e sentidos votos de pesar por essa difícil perda e lhes deseja muita paz de espírito, para suportar tão amplo e profundo vácuo”, declarou o deputado no site do partido.
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Morre o jornalista Luiz Mário Gazzaneo
Chico Otávio # reproduzido do Globo.com, 12/10/2012
Uma das primeiras páginas mais famosas da imprensa brasileira circulou sem manchete e fotos. Para driblar os censores da ditadura, que proibiram destaque para a morte do presidente chileno Salvador Allende, a opção do Jornal do Brasil, em 12 de setembro de 1973, foi publicar um texto corrido, sem títulos, ocupando toda a capa, só emoldurado pelos classificados. Para o jornalista Luiz Mário Gazzaneo, coautor do texto e redator da seção internacional, o episódio foi um dos momentos gloriosos de sua passagem pelo jornal.
Gazzaneo tinha chegado ao JB naquele ano. Dois anos antes, trabalhara com Samuel Wainer na revista Domingo Ilustrado, da Bloch, passando também por Fatos e Fotos e Cartaz, após seis anos de clandestinidade. Em depoimento recente, Gazza, como era chamado pelos colegas, disse que o momento supremo da redação chefiada por Alberto Dines, na cobertura do golpe no Chile, foi a edição da primeira página:
– Aquela página é histórica. Teve uma repercussão extraordinária. Até hoje, me arrependo por não tê-la guardado.
O escritor e jornalista colombiano Gabriel García Márquez, ao definir a paixão pelo jornalismo, escreveu que só os que sofreram “essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida” seria capaz de imaginá-la. Gazzaneo, cujos gritos vararam a redação a cada novo imprevisto, era um deles. Sua carreira da imprensa foi singular, conseguindo conciliar a militância comunista em jornais ligados ao PCB com o jornalismo diário da imprensa tradicional, sem que um atrapalhasse o outro.
Graduado em Cinema, Gazza começou no jornal Notícias de Hoje, ligado ao PCB, como crítico de cinema. Em 1959, mudou-se para o Rio e assumiu a redação do jornal Novos Rumos, também comunista, até 1964, quando a redação foi invadida e destruída. No JB, também foi chefe de reportagem, editor de Cidade e editor executivo.
A convicção política era grande, mas a paixão pelo jornalismo também. Certa noite, em 1981, Gazza furou um encontro com amigos, que o aguardavam para discutir o lançamento de um novo jornal comunista, depois de receber uma ligação quando já deixava a redação:
– O cara, que se disse porta-voz do Comando Delta, falou que tínhamos de mandar um repórter para o Riocentro porque a coisa lá estava feia.
Naquele instante, começava outro do episódio chamado por Gazza de glorioso, a cobertura do atentado à bomba no show do Riocentro. Em 1983, foi para O Globo, onde ficou até 1987. Dirigiu ainda a agência de notícias Nova Press e trabalhou em campanhas eleitorais. De 2000 a 2010, coordenou a Comunicação Social do IBGE, onde defendeu a parceira entre jornais e pesquisadores.
Gazzaneo, que também traduziu para o português obras clássicas, como as do italiano Antônio Gramsci, morreu nesta sexta-feira, aos 84 anos, de problemas decorrentes de um infarto no início da semana, no Instituto Nacional de Cardiologia, em Laranjeiras. O corpo será cremado neste sábado, às 14 horas, no Cemitério São Francisco Xavier, no Caju. Deixou cinco filhos e sete netos.