Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O redator que driblou a ditadura

Uma das primeiras páginas mais famosas da imprensa brasileira circulou sem manchete e fotos. Para driblar os censores da ditadura, que proibiram destaque para a morte do presidente chileno Salvador Allende, a opção do Jornal do Brasil, em 12 de setembro de 1973, foi publicar um texto corrido, sem títulos, ocupando toda a capa, só emoldurado pelos classificados. Para o jornalista Luiz Mário Gazzaneo, coautor do texto e redator da seção internacional, o episódio foi um dos momentos gloriosos de sua passagem pelo jornal.

Gazzaneo tinha chegado ao JB naquele ano. Dois anos antes, trabalhara com Samuel Wainer na revista Domingo Ilustrado, da Bloch, passando também por Fatos e Fotos e Cartaz, após seis anos de clandestinidade. Em depoimento recente, Gazza, como era chamado pelos colegas, disse que o momento supremo da redação chefiada por Alberto Dines, na cobertura do golpe no Chile, foi a edição da primeira página:

– Aquela página é histórica. Teve uma repercussão extraordinária. Até hoje, me arrependo por não tê-la guardado.

O escritor e jornalista colombiano Gabriel García Márquez, ao definir a paixão pelo jornalismo, escreveu que só os que sofreram “essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida” seria capaz de imaginá-la. Gazzaneo, cujos gritos varavam a redação a cada novo imprevisto, era um deles. Sua carreira foi singular, conseguindo conciliar a militância comunista em jornais ligados ao PCB com o jornalismo diário da imprensa tradicional, sem que um atrapalhasse o outro.

Graduado em Cinema, Gazza começou no jornal Notícias de Hoje, ligado ao PCB, como crítico de cinema. Em 1959, mudou-se para o Rio e assumiu a redação do jornal Novos Rumos, também comunista, até 1964, quando a redação foi invadida e destruída. No JB, também foi chefe de reportagem, editor de Cidade e editor executivo.

A convicção política era grande, mas a paixão pelo jornalismo também. Certa noite, em 1981, Gazza furou um encontro com amigos, que o aguardavam para discutir o lançamento de um novo jornal comunista, depois de receber uma ligação quando já deixava a redação:

– O cara, que se disse porta-voz do Comando Delta, falou que tínhamos de mandar um repórter para o Riocentro porque a coisa lá estava feia.

Naquele instante, começava outro do episódio chamado por Gazza de glorioso, a cobertura do atentado à bomba no show do Riocentro. Em 1983, foi para O Globo, onde ficou até 1987. Dirigiu ainda a agência de notícias Nova Press e trabalhou em campanhas eleitorais. De 2000 a 2010, coordenou a comunicação social do IBGE, onde defendeu a parceira entre jornais e pesquisadores.

Gazzaneo, que também traduziu para o português obras clássicas, como as do italiano Antônio Gramsci, morreu na sexta-feira (12/10), aos 84 anos, de problemas decorrentes de um infarto no início da semana, no Instituto Nacional de Cardiologia, em Laranjeiras. O corpo será cremado hoje, às 14h, no Cemitério São Francisco Xavier, no Caju. Deixou cinco filhos e sete netos.