Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A controversa cobertura midiática

A esquerda latino-americana está de luto. Faleceu na terça-feira (5/3), vítima de câncer, o presidente venezuelano Hugo Chávez. Qualificado como “ditador”, “caudilho” e “populista” por seus opositores, e, em contrapartida, apontado por seus admiradores como o governante que melhorou substancialmente os indicadores sociais de seu país, Chávez foi, certamente, um dos políticos mais polêmicos dos últimos anos. Não há como negar, a Venezuela, sob o comando chavista, deixou de ser a nação conhecida apenas por suas misses para se tornar uma importante peça do tabuleiro geopolítico global.

Não obstante, a cobertura midiática da morte do líder bolivariano foi absolutamente controversa. Conforme é do conhecimento de todos, os grandes veículos de comunicação do Brasil não têm nenhuma simpatia pelas políticas chavistas. Entretanto, seja pelo clima de comoção que os óbitos causam ou por puro cinismo, algumas reportagens apresentaram uma visão moderada do presidente venezuelano (algo inimaginável antes de sua morte). Os principais noticiários da Rede Globo e da TV Bandeirantes (Jornal Nacional e Jornal da Band respectivamente), por exemplo, limitaram-se a relembrar os principais fatos da vida política do líder bolivariano. “Hugo Chávezfoi um dos políticos mais marcantes da América do Sul. Em catorze anos no poder, arrebatou uma legião de seguidores enquanto provocava críticas ferrenhas da oposição”, anunciou a apresentadora Patrícia Poeta, do Jornal Nacional. “Com estridência e dramatismo próprios da cultura venezuelana, Hugo Chávez já deixou uma marca na história recente latino-americana. Trata-se de uma figura que somou altivez e audácia ao momento de recuperação da soberania política da América do Sul. Um momento em que o continente consolida seus marcos institucionais democráticos que, se bem diversos, compartilham o compromisso com políticas de inclusão social e a valorização da paz regional”, escreveu a professora Monica Hirst para a Folha de S.Paulo. Na BandNews, o colunista Eric Nepomuceno destacou que a América Latina perdeu um líder carismático. De acordo com dados divulgados pelo Estado de S.Paulo, antes de Chávez, o Produto Interno Bruto da Venezuela era inferior a US$ 200 bilhões; e em 2012, o PIB do país chegou a US$ 400 bilhões.

Palavras difamatórias

Contudo, não nos iludamos com a aparente benevolência da mídia hegemônica. Como era de se esperar, por outro lado muitos editoriais e matérias não se intimidaram em despejar todo o seu ódio ao líder venezuelano e à Revolução Bolivariana. “É impressionante a capacidade de o caudilho Hugo Chávez ocupar os espaços que tem ocupado na mídia mundial. […] O truculento presidente da Venezuela sempre foi avesso à democracia. […] E de repente, o homem é acometido de grave doença e, ao invés da manifestação de alívio, parece que a Venezuela chora a perda de um grande estadista”, frisou um âncora da Rádio Bandeirantes.

Em entrevista para a Rede Globo, o sociólogo Demétrio Magnoli afirmou que “em uma democracia comum, isso [o falecimento de Chávez] não representaria grande coisa. A morte de um presidente deflagra um processo definido por leis de eleição de um novo presidente. Acontece que a Venezuela não é uma democracia comum. Já não é democracia, embora não seja ditadura. O que se pode esperar é que o regime use de todos os meios para continuar e sobreviver à morte de Chávez, inclusive meios antidemocráticos”.

Ao contrário do Jornal Nacional, que apresentou uma cobertura relativamente moderada sobre a morte de Hugo Chávez, no Jornal da Globo não faltaram palavras difamatórias contra o presidente venezuelano. “Hugo Chávez ganhou um lugar na já repleta história de caudilhos sul-americanos incapazes de conviver com o contraditório e a liberdade de imprensa. Para ele, pouco importava: admirador dos irmãos Castro e do experimento ditatorial de Cuba, Chávez achava que a revolução social que tinha como propósito justificaria o emprego de qualquer meio. Foi beneficiado por uma extraordinária conjuntura internacional, que favoreceu a principal – quase única – fonte de renda do país: o petróleo. Chávez transformou a então bem gerida e produtiva PDVSA, a estatal do petróleo, em um braço político dedicado ao distributivismo típico dos caudilhos preocupados apenas com a própria popularidade”, disparou o âncora William Waack. Ainda no noticiário noturno, Arnaldo Jabor afirmou que a morte deve transformar o “ex-ditador” em vítima.

Vice é favorito

Por sua vez, Reinaldo Azevedo, paladino do pensamento conservador brasileiro, escreveu em seu blog que o chavismo é um misto de “banditismo político” com “delírio ideológico retrô”. Por fim, em sua edição online, a revista Veja não deixou de demonstrar sua antipatia ao líder bolivariano: “Junto com Chávez morre o chavismo, que mistura o pior do populismo, do ultranacionalismo, do caudilhismo e do ‘socialismo do século 21’ – tão nefasto quanto o do século 20. […] Ao longo de mais de seus anos no poder, ele criou uma milícia própria, manobroupara garantir resultados favoráveis em eleições, confiscou empresas, perseguiu opositores e a imprensa e submeteu a Justiça aos seus interesses.”

Todavia, diferentemente do asseverado pela publicação da família Civita, a maioria dos analistas acredita que a Revolução Bolivariana continuará apesar do falecimento de Chávez. Para Gilberto Maringoni, autor do livro A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez, as mudanças que o governo bolivariano provocou nos últimos quinze anos fizeram com que o chavismo enraizasse na sociedade venezuelana. Desse modo, é muito provável que um candidato chavista vença as próximas eleições presidenciais. “A pauta dele [Hugo Chávez] foi o combate à pobreza e à desigualdade social, as melhoras sociais, a recuperação da autoestima do venezuelano pobre e isso se enraizou na sociedade e vai ser muito difícil sair da pauta do país, de imediato”, apontou Maringoni. Segundo Carlos Eduardo Vidigal, professor do curso de História da América na Universidade de Brasília, nas próximas décadas o chavismo será tão importante para a Venezuela como o peronismo tem sido para a Argentina.

De acordo com a Constituição venezuelana, com a morte do presidente da República novas eleições devem ser convocadas no prazo de trinta dias. Nicolás Maduro, herdeiro político de Chávez, é o favorito nas pesquisas de intenção de voto, seguido pelo líder da oposição, Henrique Capriles. Portanto, é muito provável que o chavismo governe a Venezuela nos próximos anos. Hugo Chávez, assim como um famoso ex-presidente brasileiro, sai da vida para entrar para a história. Morre o homem, mas não seus ideais.

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[Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas, Brasil: Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG]