Tuesday, 07 de January de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 25 - nº 1319

Um líder que calava vozes divergentes e não saía do ar

23 de maio de 1999. Apenas três meses depois da posse, Hugo Chávez entra no ar com o Alô Presidente, programa de TV semanal e em rede nacional que só parou de ser transmitido quando o presidente da Venezuela ficou doente, em 2011. Ao todo, segundo monitoramento de ONGs e da oposição, Chávez ficou mais de 3.500 horas no ar. Tanto no programa, que geralmente era transmitido aos domingos e podia durar até seis horas, quanto em cadeias nacionais formadas subitamente, no meio da semana. Bastava o presidente achar relevante comunicar-se com o povo que as TVs, concessões públicas, eram obrigadas, por uma lei de 2004, a interromper sua programação para dar-lhe voz.

Chávez criou um “império midiático”, na definição de José Vicente Carrasquero, da Universidade Simón Bolívar, de Caracas. E foi o primeiro de uma leva de líderes americanos a usar seu poder ou para reprimir a mídia independente que o criticava ou para se superexpor – e muitas vezes as duas coisas, simultaneamente. “Se antes de Chávez os meios públicos de comunicação eram restritos a uma TV (a Venezuelana de Televisão, VTV) e a poucas rádios, com ele passaram a dominar o mercado: hoje 60% dos meios de comunicação são públicos, e só 40% são privados”, salienta Carrasquero, lembrando que as rádios comunitárias e os jornais chavistas são extremamente poderosos no interior.

Na capital, jornais tradicionais, como El Nacional e El Universal, ou o mais jovem Tal Cual, pelos quais a intelectualidade crítica a Chávez se expunha, perderam até 50% de suas páginas, 30% da circulação e viram o seu faturamento cair pela metade “porque o governo simplesmente parou de anunciar”, segundo Miguel Henrique Otero, presidente do El Nacional. De acordo com o executivo, a história de pluralismo e liberdade de imprensa venezuelana “nunca esteve tão ameaçada quanto no chavismo”.

Autoritarismo sob manto de legalidade

O caso mais emblemático de perseguição à mídia foi o da RCTV, cuja licença foi impedida de ser renovada pelo governo em 2007. Acusada de golpista pelo chavismo – durante as 48 horas em que Chávez foi afastado do poder em 2002 por um golpe de Estado, a emissora priorizou imagens de opositores às dos partidários do presidente que tomaram as ruas para defendê-lo, de acordo com simpatizantes do governo –, a Presidência esperou cinco anos, até o vencimento do prazo de renovação da licença, para cassá-la. Os críticos de Chávez e entidades de imprensa tacharam a atitude como exemplar do “espírito de vingança chavista” e um “atentado à liberdade de expressão”. “Ele sempre tomava atitudes autoritárias alegando que estava agindo na legalidade. No caso da RCTV, esperou a licença vencer, não a fechou imediatamente após o golpe”, afirma Carrasquero.

Milhares de venezuelanos foram às ruas protestar contra o fim da RCTV, uma medida que afastou ainda mais Chávez da classe média, já que as novelas e os humorísticos da emissora eram muito populares. As demais redes campeãs de audiência, a Venevisión, da família Cisneros, e a Televen deixaram o jornalismo de lado e investiram somente em entretenimento – uma tática para evitar desavenças com o governo chavista.

A única emissora que passou a ter um noticiário mais crítico foi a Globovisión, cujos sócios Nelson Mezerhane e Guillermo Zuloaga refugiaram-se nos Estados Unidos após circunstâncias jurídicas duvidosas, ocorridas em 2010. A TV, cuja licença para operar vence em 2015, enfrenta dificuldades financeiras. Em 2012, teve US$ 5,7 milhões de seus ativos embargados pela Justiça por conta de multas não pagas que totalizavam US$ 2 milhões. O governo abriu mais de 40 processos contra a Globovisión, acusando-a de transmitir reportagens que feriam as leis de mídia do país. Pelas leis, não se pode, por exemplo, transmitir nada que “desestabilize a ordem pública”, questão passível de muitas interpretações.

Zuloaga teve ordem de prisão decretada por armazenar carros em sua casa. Só que ele também era dono de uma concessionária. Mezerhane foi acusado de fraude no Banco Federal, do qual também era sócio. Sem nunca haver comprovação do malfeito, o banco foi liquidado pelo governo, e seu dono, com ordem de prisão decretada, fugiu para os Estados Unidos. Os dois alegaram não ter tido a chance de provar inocência e que eram “perseguidos políticos do chavismo”. Chávez fez, ao longo dos anos, diversas ofertas, sem sucesso, para comprar a Globovisión, segundo seus sócios.

Tática para se aproximar do povo

Enquanto Chávez acusava as empresas de comunicação de fazerem parte de “oligarquias dispostas a derrubá-lo”, usava seu Alô Presidente para se aproximar do povo. Foi no programa, cada semana num local e com plateia diferente, que ele exibiu, orgulhoso, uma camiseta com a frase “Por qué no te callas?”, dita a ele pelo rei Juan Carlos, da Espanha, durante a Cúpula Ibero-Americana de 2007. Em cadeia nacional, dizia que “Cristo era socialista” e adorava brincar com crianças: o vídeo de um garotinho dando um biscoito em sua boca virou hit. Ele disse: “Olhem o que é ser criança, a generosidade. Logo vem a sociedade capitalista e nos adoece de egoísmo. Mas as crianças compartilham o que têm na boca!”

O programa servia ainda para anunciar estatizações e ameaçar inimigos, como quando chamou o ex-presidente americano George W.Bush de “genocida, ignorante e senhor Perigo”. “Ele usou e abusou da mídia para fazer o que foi, na minha opinião, a estratégia número 1 do chavismo: a confrontação, o fomento à divisão. Ele dividiu o país entre pobres e ricos e fazia questão de ajudar somente os pobres. A quem o apoiava, tudo. Aos críticos, nada, eram todos filhotes do imperialismo americano”, comenta Carrasquero.

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Mariana Timóteo da Costa, do Globo