Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalista Ruy Mesquita

Ruy Mesquita morreu e li de tudo sobre ele. No mafuá das redes sociais, onde nascem as mil flores, brotaram daqui e dali pequenas e mesquinhas unhas-de-gato que mostram bem quanto estamos longe do grau de civilização em que gostaríamos de viver.

Convivi profissionalmente com o dr. Ruy ao longo de mais de 40 anos, a maior ou menor distância, dependendo das circunstâncias. Nos últimos seis anos de carreira dentro do Grupo Estado, travei com ele um embate diário, corpo-a-corpo, às vezes árido, às vezes distendido, mas sempre respeitoso, humana e profissionalmente.

Os depoimentos e as opiniões a respeito dele se multiplicaram e esculpiram um perfil realista do homem de extraordinário caráter que era – que o digam Fernando Morais e Marco Antonio Rocha, jornalistas perseguidos que testemunharam sua valentia na defesa dos valores da liberdade e da dignidade nos anos de chumbo.

Poucos ousaram fazer a grande desfeita ao seu legado, e os que o fizeram foi por pura ignorância e mesquinhez ideológica: chamá-lo de patrão e não de jornalista.

Claro que ele era acionista do Grupo Estado e essa era uma realidade irremovível. Nasceu assim. Sabia o elementar: uma empresa jornalística precisa ser saudável financeiramente para poder ser independente e publicar notícias e opiniões sem pedir licença a ninguém.

“Murdoquização” da imprensa

Aí está o ponto: o dr Ruy era jornalista. Sabia o que era uma pauta- e sabia fazê-la. Entendia de texto, de lead, de sublead, de pirâmide invertida. Trabalhava as palavras com extremo rigor e precisão. Diferenciava com facilidade um título informativo e criativo de uma cascata, de uma imprecisão, de um título ruim. Dissecava uma matéria palavra por palavra. Era obcecado pela qualidade da informação. Sustentou corajosamente a revolução gráfica e de linguagem que o Jornal da Tarde gravou na alma e na história do jornalismo brasileiro.

Em compensação, não era empresário. Duvido que soubesse ler um balanço. Desprezava a burocracia empresarial, o dialeto de gestão, o fluxo de caixa, o ativo imobilizado e toda essa feitiçaria.

Acreditava no jornalismo não apenas de notícias, mas principalmente de causas e de ideias (o Estadão nasceu republicano em plena monarquia com o nome Província de São Paulo) e desprezava a vulgaridade informativa, que apelidou de “murdoquização”, uma referência pejorativa ao magnata australiano da imprensa Robert Murdoch, que dos tabloides sensacionalistas avançou até o controle do mítico Wall Street Journal.

Dizer que o dr. Ruy nao era jornalista é a pior das ofensas que podem ser feitas ao jornalismo.

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Sandro Vaia é jornalista